Com ‘Aqui’, Richard McGuire inventa a máquina do tempo
Aqui (muito bom) AUTOR Richard McGuire TRADUÇÃO Erico Assis EDITORA Quadrinhos na Cia. QUANTO R$ 79,90 (304 págs.) * A forma mais honesta de traduzir o resultado dos 25 anos de trabalho de Richard McGuire em “Aqui” para o leitor que ainda não o conhece é afirmar que o autor inventou a máquina do tempo. “Aqui” segue a trajetória não linear do canto da sala de uma casa ao longo de bilhões de anos, desde o instante em que o local onde a casa foi construída não passava de um pântano até 22 mil anos no futuro a partir de agora. De roldão, sabemos (ou intuímos) o que se passa com os seres ao seu redor, de dinossauros extintos a indígenas americanos semiextintos, dos colonizadores ingleses à história de uma família, até chegar o porvir no qual a compreensão do ambiente só se dá por meio dos hologramas de um museu interativo. O “nouveau roman” de Alain Robbe-Grillet tinha entre suas premissas a possibilidade de narrar sob a perspectiva de objetos, usando da descrição maníaca. O objetivismo dos franceses buscava o descolamento da psicologia dos personagens, uma espécie de marco zero sentimental. Algo semelhante é obtido por McGuire em “Aqui”, pois, à medida que a vida passa, apenas o silêncio -abissal- permanece. O silêncio, precisamente, é o tema que perpassa a justaposição de textos e imagens de “Aqui”, em chave mais poderosa que em Robe-Grillet. A capacidade enternecedora desses fragmentos -a primeira visita de um filho bastardo ao pai na América dos peregrinos, o jogo erótico de um casal moicano, a morte do avô da família que habita o casarão- é intensa. Igualmente, não é de agora que sabemos que a ficção é também uma variação coletiva do sonho. O surrealismo nos ensinou isso, algo que a física atual corrobora: o tempo não existe, e passado e presente coexistem em contiguidade, a mesma existente entre o canto da sala e a lareira da máquina do tempo criada por Richard McGuire. Em algum lugar do futuro, “Aqui” será usada para ensinar que a cronologia não passa de uma ficção ditada pelo sentimento. JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de “Noite Dentro da Noite” (Companhia das Letras)