Lenda sobre nome do bairro e dia de fundação causam divergências na Vila Madalena

NAIEF HADDAD DE SÃO PAULO No século 19, um fazendeiro português era dono de uma quantidade enorme de terras localizadas entre a região central de São Paulo e o rio Pinheiros. Esse homem tinha três filhas, Madalena, Beatriz e Ida, a quem distribuiu as suas propriedades. As áreas pertencentes às três moças deram origem a pequenos bairros vizinhos na zona oeste da cidade, posteriormente batizados com os nomes delas. É uma história simpática, que se popularizou entre os moradores e comerciantes da Vila Madalena. Pena que não seja verdadeira, assegura o historiador e professor Eduardo José Afonso, da Unesp. “Isso é conversa para boi dormir. As pesquisas que tenho feito não demonstram nada”, diz Afonso, enfático. Dono de um acervo com cerca de 3.000 fotos da formação do bairro, Afonso estuda a história da Vila Madalena desde os anos 1980. A principal hipótese dele para o surgimento do nome do bairro está ligada a uma capela com imagens de Santa Maria Madalena. Nos anos 1950, o santuário deu lugar à igreja de Santa Maria Madalena e São Miguel Arcanjo, de pé ainda hoje na rua Girassol. Afonso critica o lançamento de uma cerveja chamada Três Fidalgas, que faz referência às filhas do fazendeiro. A bebida da Ambev chegou ao mercado há cerca de um ano, com venda restrita aos bares da região. “Como falamos no rótulo, [a história das três irmãs] é um relato oral, que faz parte do boca a boca no bairro”, afirma Lucas Cunha, gerente de marketing da Ambev, sobre a observação do historiador. De fato, antigos moradores gostam de contar o causo do fazendeiro e de suas três filhas. É o caso de Rosa Landi, a dona Rosinha, que vive na Vila Madalena desde que nasceu, há 72 anos. “Queríamos, acima de tudo, homenagear um dos bairros mais boêmios do Brasil”, diz o gerente da Ambev. FUNDAÇÃO No último mês de agosto, a Savima (Sociedade de Amigos da Vila Madalena), com apoio de patrocinadores, promoveu uma festa para celebrar os supostos 124 anos de fundação do bairro. A data tida como referência pela entidade é 17 de agosto de 1893. “É uma invenção esdrúxula. O que aconteceu nesse dia?”, diz Afonso, que deixa a pergunta no ar. “Se essa data fizesse sentido, nós teríamos o nome do fundador, o que não existe. O jesuíta José de Anchieta, por exemplo, fundou o bairro de Pinheiros em 1.565, e isso está documentado.” O historiador desconfia que essa data tenha surgido como uma jogada de marketing em meio à ascensão dos bares da região, a partir da década de 1980. “Para atrair os consumidores, é preciso ter um discurso sobre um bairro com história, raízes.” Para ele, essas “invenções esdrúxulas” representam desrespeito às pessoas que, de fato, deram vida à região, como os imigrantes portugueses de baixa renda, que levaram o bairro a crescer a partir dos anos 1920. Na sede da Savima, na rua Fradique Coutinho, ainda há banners de divulgação da festa dos 124 anos, que teve shows e food trucks. O publicitário Cassio Calazans, presidente da entidade, afirma que essas comemorações sempre deixarão um “legado positivo” para o bairro. Neste ano, houve uma reforma na paróquia de Santa Maria Madalena. Sobre a controversa data de fundação, ele diz que é resultado de uma pesquisa da sua equipe e foi encontrada nos “anais”, sem mais detalhes. “Se o historiador tem uma outra versão, peça a ele para nos provar que mudaremos a data da fundação”, afirma. Por ora, a festa dos 125 anos da Vila Madalena está confirmada para agosto de 2018.