A eleição está chegando, mas ninguém limpou o entulho do impeachment

Para tirar o foco de sua falta de disposição para protestar contra Temer, o Movimento Brasil Livre resolveu protestar contra uma exposição de arte com temática LGBT. Fingindo que não via a corrupção de direita, o MBL perdeu a bandeira da moralidade pública. Só lhe restou, então, levantar a bandeira da moralidade privada. O fato de a exposição ter sido patrocinada por um banco também lhe permitiu reforçar o papo furado de extrema-direita de que há uma aliança entre as finanças internacionais e a esquerda cultural. É o discurso anti-Soros, que serve para evocar sentimentos antissemitas e abrir uma brecha para explorar sentimentos populares anticapitalistas, roubando eleitores da esquerda. Daqui a 50 anos, esse papo furado servirá para dizer que o MBL era de esquerda, como hoje se diz do nazismo. Muita gente melhor que eu já denunciou o fechamento da exposição como violação da liberdade de expressão. Gostaria de chamar atenção para outro aspecto da questão: o MBL está virando para o conservadorismo porque, depois do fiasco ético de Temer (que, ao que parece, é mesmo BFF do alheio), não sabe o que fazer consigo mesmo. E, nesse aspecto, expressa o ponto de vista do Brasil, que também não sabe mais o que fazer com o MBL, ou com todos os discursos e contradiscursos utilizados na guerra do impeachment. A eleição de 2018 está chegando, e até agora ninguém limpou o entulho das batalhas de 2015-2016. Isso é muito perigoso. Nenhum dos problemas que o(a) eleito(a) terá que resolver a partir de 2019 tem a menor relação com os discursos da guerra do impeachment, todos eles dramáticas histórias de separação entre Lé e Cré. Todas as pretensões de superioridade moral desabaram com a Lava Jato. Não bastou tirar a Dilma para resolver nosso problema econômico. E há todo um legado de combate à desigualdade dos governos petistas (e tucanos) que merece ser preservado e ampliado. Por outro lado, o impeachment permitiu que a esquerda se isolasse em um discurso ruim e crescesse só com o desgaste de Temer. Pode ser suficiente para ganhar eleição, mas não será suficiente para governar. Eu sei, cair pela manobra picareta do PMDB fugindo da Lava Jato foi mesmo ruim. Mas, e aí? Mesmo se você achar que o impeachment foi um golpe, há vida após o golpe. E, visto que a maioria da população, na época, apoiou o impeachment, não há como vencer sem conquistar gente que apoiou a derrubada de Dilma. Esse pessoal não vai ser convencido por coisas como “Moro é agente da CIA” ou “não tem deficit na Previdência”. Sectarismos como o do MBL avançam porque essa divisão de forças herdada da guerra do impeachment dificulta que a discussão entre a centro-esquerda e os liberais democráticos produza um consenso mínimo, que pode servir de base para diferentes candidaturas (até porque há interesses partidários legítimos em jogo). Precisamos garantir que (a) os aspectos positivos das reformas de Temer não serão revertidos e (b) o ajuste não continuará sendo feito só nas costas do pessoal da classe média para baixo. Esse consenso mínimo é inteiramente possível de ser obtido. Mas não há como introduzi-lo no debate eleitoral brasileiro se os generais de 2018 entrarem preparados para lutar a guerra passada.