‘Star Trek’ adota forma novelesca para ganhar fãs, mas mantém coerência
A série “Star Trek: Discovery”, que no Brasil estreia em 25/9, na Netflix, nem começou e já deu lucro ao canal CBS, um alívio inédito em sua história de improvisos, baixo orçamento e cancelamentos. Situada aproximadamente em 2250, uma década antes da série original, de 1966, “Discovery” retrata uma guerra entre os agressivos klingons e os humanos. É o fim de um hiato de “Star Trek” que se arrastava desde 2005, quando terminou “Enterprise”, também uma “prequel”. A segurança financeira veio em julho de 2016, quando a Netflix comprou os direitos para transmitir a produção em 188 países, exceto nos Estados Unidos, onde será transmitida via streaming pelo novo CBS All Access. Embora o valor do negócio não tenha sido divulgado, o plano original da CBS era gastar US$ 6 milhões (R$ 18,6 milhões) por episódio –ou seja, em 15 episódios, a Netflix investiu no mínimo US$ 90 milhões (R$ 278 milhões). “Foi um negócio da China para a CBS”, diz Salvador Nogueira, coautor de “Jornada nas Estrelas: O Guia da Saga” e colunista da Folha. “É a joia da coroa de que precisavam para lançar o CBS All Access, e transferiram todo o risco do negócio para a Netflix.” Anunciada em 2015, a série deveria estrear no início de 2017, mas atrasou por rusgas com o produtor Bryan Fuller (“Deuses Americanos”, “Pushing Daisies”), que queria que “Discovery” fosse uma antologia, em que cada temporada abordaria uma época diferente da saga. O canal de televisão impôs outro formato, uma história completamente sequencial, considerando que teria mais apelo comercial. A série está sendo gravada em Toronto, no Canadá, cidade onde há incentivos fiscais para gravar. Fuller também discordava do orçamento e da previsão de estreia em fevereiro de 2017, segundo a “Entertainment Weekly”, e deixou o projeto em outubro de 2016. FORMA Na tentativa de ganhar novos fãs, “Star Trek: Discovery” conta uma história que se desenvolve gradualmente, com arcos dramáticos que duram dois ou três episódios. Nas edições anteriores da franquia, o mais comum era contar apenas uma história por episódio —a que mais se aproxima de uma trama contínua é “Deep Space Nine” (1993-1999). Desde a década de 1990, a saga tenta sair das amarras da “lei de [Gene] Roddenberry”, criador da franquia, que proibia os roteiristas de colocar os personagens em oposição uns contra os outros, o que engessava o enredo. Mas uma guinada novelesca também envolve um risco com os fãs tradicionais, que podem vê-la com maus olhos. O novo “Star Trek” bebe na fonte de “Game of Thrones”, por exemplo, na ideia de retratar rivalidades entre “casas” rivais de klingons. “Precisamos de histórias que avancem a cada capítulo para que as pessoas queiram virar a página e continuar assistindo”, diz o produtor atual da série, Aaron Harberts. “Às vezes, para conseguir isso, é importante haver uma perda ou uma morte.” Uma dessas histórias é a carreira de uma protagonista, que, pela primeira vez em “Star Trek”, não será a capitã da nave. É a oficial de ciências Michael Burnham (Sonequa Martin-Green), humana criada pelos pais de Spock, no planeta Vulcano. “Ela está dividida entre culturas. Do ponto de vista da narrativa, tem que escolher entre o lado lógico, vulcano, e o lado emocional”, diz Martin-Green à Folha. “Spock [o vulcano da série original] também lidava com isso, e eu me espelhei muito nele.” Mas não é a mudança de foco do protagonismo que deixa os fãs ansiosos, e sim a temática bélica. “Os fãs veem ‘Star Trek’ como uma série otimista, mostrando o melhor da humanidade, então essa é uma grande preocupação”, diz Salvador Nogueira. Acidentes de percurso Aaron Harberts afirma que a série não será distópica, só um pouco mais “bruta”. “Como se passa durante a guerra, tem um estilo de fotografia diferente. Ela é mais áspera, mas não é sombria.” Os klingons, nesse contexto, são uma metáfora política que serve para entender os Estados Unidos, diz Harberts. “Para entender os klingons, é só olhar para os EUA. Qual a lógica de um país querer se isolar? O que motiva o desejo por pureza racial?”. Para não desagradar os fãs, a produção manteve referências à estética dos anos 1960, da série original, já que “Discovery” se passa logo antes, e contratou roteiristas “obcecados pela coerência do cânone”, segundo Isaacs. Os comunicadores e armas são quase idênticos aos usados pela tripulação de Kirk, e a nave tem uma decoração com ângulos retos, botões quadrados nos painéis e cores em dourado, cobre e ferrugem, um toque retrô na década de 2250. NA INTERNET Star Trek: Discovery Quando 25 de setembro, na Netflix A jornalista viajou a convite da Netflix