Peça de marketing ruim, ‘Polícia Federal’ omite fatos fundamentais
Quando o necessário combate à corrupção é transformado numa narrativa infantil do bem contra o mal, como ocorre em “Polícia Federal – A Lei É para Todos”, cedo ou tarde vem a desconfiança. Depois de três anos, não cola mais a versão de que a Lava Jato representa a salvação nacional, enquanto Lula e o PT são o mal a ser combatido. No entanto, é precisamente isso que o filme tenta nos vender. Os delegados da PF são retratados como heróis que agem por algum ideal superior. Sergio Moro é apresentado como juiz equilibrado e imparcial. Na cena que precede a condução coercitiva de Lula, ele questiona se a ação “é mesmo necessária”. Em seguida, orienta os delegados a “proteger a imagem do ex-presidente”. Nessa nem a velhinha de Taubaté acredita. A operação de identificação subjetiva com os protagonistas da Lava Jato passa ainda por técnicas primárias. Somos levados a acompanhar o drama familiar de Julio –que representa o delegado Márcio Anselmo– com seus pais. Do outro lado, Lula é apresentado como um tipo antipático e arrogante. A humanização foi seletiva. Outro ponto digno de nota é apelo a clichês de programas policiais de fim de tarde: “A gente prende, eles soltam”, diz delegada Bia. A síntese política do filme está na questão repetida de “quem colocou o jabuti em cima da árvore”, ou seja, os responsáveis últimos pelo esquema. Não há qualquer ambiguidade na resposta apresentada: Lula e Dilma. Os dois acontecimentos centrais são a condução coercitiva de Lula e o impedimento de sua posse como ministro. Este é sugerido como o ato que salvou a Lava Jato. Decididamente é uma peça anti-Lula. As críticas à operação são tratadas de forma estereotipada, com associações à volta da ditadura ou à tortura. Não há referência aos questionamentos sobre os excessos judiciais, a relação promíscua com setores da mídia e a politização da operação. Quem assiste ao filme também não encontra explicação de por que nenhum tucano foi preso na Lava Jato. Aliás, o personagem principal, o delegado Ivan, é o símbolo da isenção, chegando inclusive a se questionar se não seriam eles o jabuti sobre a árvore. Logo ele, que representa Igor Romário de Paula, delegado que declarou apoio a Aécio Neves e tratou a prisão de Lula como uma questão de “timing”. Não há problema em um filme propagandear uma ideia. Mas, quando pretende relatar fatos reais, espera-se ao menos que não omita fatos fundamentais. A Lava Jato interrogou João Santana durante meses. Poderia ter pedido conselhos. Mesmo uma peça de marketing precisa ter boa qualidade. GUILHERME BOULOS é líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto)