Envolver-se com a ciência de forma cidadã pode ajudar a definir o futuro
Imaginar como será o mundo daqui a uma ou duas décadas pode nos dar a sensação de estarmos folheando um catálogo de visões distópicas inspiradas nas manchetes consternadoras de hoje. Será que os smartphones vão deixar nossos filhos deprimidos e solitários? Estamos prestes a converter o planeta em um lugar quase inabitável? O hacking e o ciberterrorismo vão nos conduzir a guerras na vida real? Os bioterroristas conseguirão usar manipulação genética de alta precisão para matar milhões de pessoas? As inovações tecnológicas vão gerar desemprego em massa? Não é coincidência o fato de muitos desses temores estarem ligados a avanços científicos e tecnológicos. As forças da ciência e tecnologia que movem grandes setores da economia de hoje catalisam transformações sociais vastas. Inovações nascem em corporações, universidades e laboratórios distantes do cotidiano da maioria das pessoas. A compreensão delas frequentemente requer conhecimentos especializados. Ao mesmo tempo em que podem ser tremendamente benéficas, essas mudanças frequentemente vêm acompanhadas de contrapartidas. Eis um exemplo: as plataformas de mídia social nos oferecem mais conexão social mas também podem permitir que a informação vire uma arma de guerra assimétrica. Às vezes, podemos ter a sensação de que pesquisadores profissionais e tecnólogos nos estão empurrando para um futuro que talvez não seja o que visualizamos para nós. A inovação tecnológica pode parecer mais um desastre natural que fruto de decisões humanas, se você se esforça para ganhar a vida ou precisa lidar com dejetos eletrônicos tóxicos. Temos medo de perder o controle, de cedermos nossa autonomia a algoritmos, empresas de tecnologia e pesquisadores científicos. Uma maneira de aliviar alguns desses receios é aumentar o envolvimento público nas pesquisas científicas e inovações tecnológicas, sem a necessidade de doutorados. Isso pode se dar de várias maneiras, que incluem a participação em projetos de pesquisa e a colaboração com cientistas. É uma oportunidade de combater precisamente aquilo que deixa muitas pessoas temerosas em relação ao futuro: a falta de controle sobre o modo como a ciência e a tecnologia moldam nossas vidas. CIÊNCIA CIDADÃ A ciência cidadã traz oportunidades para as pessoas participarem de experimentos nos mais diversos campos, desde biologia e ciência ambiental a astronomia e física –qualquer que seja sua área de interesse. Como você talvez já tenha ouvido falar, existem muitos projetos que solicitam a ajuda do público com coleta de dados –seja monitorando seu entorno, seja ajudando a Nasa a documentar um eclipse solar. Mas também há oportunidades para participar da formulação de pesquisas e da definição daquelas que são prioritárias. A avaliação participativa de ciência e tecnologia é um método relativamente novo para conseguir “insight” público que contribua para a tomada de decisões técnicas e envolvendo políticas públicas. Por exemplo, a rede Ecast (Avaliação Especializada e Cidadã de Ciência e Tecnologia, na sigla em inglês) está organizando, em parceria com a Fundação Kettering, grupos de discussão em que leigos podem expressar suas preocupações sobre o lançamento de veículos sem motorista em suas comunidades. Grupos de defesa dos interesses de pacientes hoje podem influenciar o modo como são desenvolvidas tecnologias médicas (ou podem desenvolvê-las eles próprios) e como são gastas as verbas para pesquisas. Já escrevemos antes sobre a necessidade de os especialistas ouvirem as opiniões do público para enriquecer e aprimorar suas pesquisas, para melhor alinhar as inovações que produzem com os valores e as necessidades da sociedade. Mas a responsabilidade é de mão dupla. Exigir que os programas de pesquisa levem em conta as preocupações do público e que as inovações beneficiem nosso futuro comum requer cidadãos engajados, críticos e cientificamente informados –basicamente, mais leitores da “Slate”. FALAR A LÍNGUA Isso requer algum trabalho. Segundo pesquisas da Universidade de Michigan, pouco mais de 25% dos adultos americanos são considerados cientificamente bem informados. É uma parcela que permanece igual há anos. Ser cientificamente bem informado não é pré-requisito para o engajamento com questões importantes como a mudança climática ou os transgênicos. Mas algum nível de compreensão de questões e metodologias científicas ajuda você a dialogar com confiança com pesquisadores e tecnólogos. E pode inspirá-lo a agir com base nesse conhecimento –por exemplo, trabalhando como voluntário em um projeto de ciência cidadã. Entender como algo funciona e familiarizar-se com vocabulário especializado e conceitos técnicos torna isso tudo menos intimidador. O conhecimento é apenas uma parte da equação. Para ajudar a moldar o futuro, você precisa compartilhar seus conhecimentos especializados, sua expertise local ou as preocupações de sua comunidade, quando é convidado a fazê-lo. As atividades que podem ajudar pesquisadores a estudar tópicos importantes nem sempre recebem apoio público. Quando os responsáveis pelo fornecimento de água em Filadélfia buscaram voluntários para coletar amostras de água potável a serem testadas a fim de averiguar a presença de chumbo, menos de 2% das 8.000 pessoas contatadas completaram o processo. É tentador defender que o envolvimento cidadão na ciência e tecnologia deva ser uma obrigação cívica, como o voto, mas a participação do eleitorado americano nas eleições não é muito impressionante. Talvez seja mais eficaz mostrar às pessoas que isso atende a seus próprios interesses. Uma participação maior na ciência cidadã e o engajamento na tomada de decisões científicas e tecnológicas vai ajudá-lo a assumir controle de seu próprio futuro. Pode ajudá-lo a descobrir oportunidades no futuro próximo em que alguns economistas preveem uma força de trabalho “polarizada” entre empregos técnicos bem pagos e trabalhos braçais. Os especialistas estão divididos quanto à possibilidade de as inovações nos próximos dez anos acabarem com mais empregos do que os que vão gerar, mas está claro que os avanços tecnológicos vão afetar profissionais em campos tão diversos quanto transportes, medicina, jornalismo e direito. Isso representa uma mudança significativa em relação ao passado recente, quando eram principalmente trabalhadores manufatureiros de classe média baixa que viram seus empregos serem tomados por robôs ou transferidos para o exterior. Profissionais de todos os tipos vão precisar de novas habilidades para se orientar com êxito no meio dessas transformações econômicas. A natureza das mudanças previstas significa que formações em ciência, tecnologia, engenharia e matemática são as que mais podem beneficiar os trabalhadores. Um esforço vem sendo feito para dar ênfase a essas disciplinas no ensino primário e secundário, para assegurar que os estudantes americanos sejam capazes de atender às necessidades da economia futura. Mas a ciranda tecnológica vem girando tão rápido que voltar a atenção primordialmente aos estudantes deixa a já existente força de trabalho esquecida. Caminhoneiros, contadores, profissionais do varejo, editores, pessoas que trabalham em telemarketing e muitos outros profissionais podem precisar de competências de ciência, tecnologia, engenharia e matemática muito antes de se aposentarem. Os programas de aperfeiçoamento de trabalhadores, há anos a solução proposta por economistas e políticos para ajudar os escanteados pela tecnologia a encontrar emprego novo e mais bem remunerado, frequentemente são ineficazes, segundo avaliação recente do Departamento de Trabalho dos EUA. E voltar à faculdade pode ser intimidador, senão impossível, para adultos temerosos de fazer dívidas ou afastar-se da força de trabalho por algum tempo. Há programas novos e promissores que estão enfrentando algumas dessas preocupações. A Global Freshman Academy (Academia Global de Calouros) da Arizona State University (ASU) permite ao estudante fazer cursos gratuitos de nível introdutório online, pagando pelos créditos acadêmicos obtidos apenas quando se satisfaz com a nota e quer se candidatar a um curso com vistas a um diploma. (NOTA DA REDAÇÃO: a ASU é parceira da “Slate” e do “think tank” New America no projeto Future Tense.) Na Filadélfia, a plataforma Digital On-Ramps suaviza o processo de encontrar cursos e formação para o avanço profissional, por meio de parcerias com escolas, programas educacionais informais e empregadores. Faculdades públicas na Pensilvânia estão começando a levar em conta experiência na vida real como formação profissional ou participação em projetos de pesquisas de ciência cidadã, de modo que os estudantes adultos já começam com uma dianteira quando procuram se inscrever. Mas muitas pessoas simplesmente não possuem os recursos necessários para explorar seus interesses e preocupações. Trabalhar em um emprego ou dois, cuidar de filhos, pagar as prestações do carro e da casa e atender a outros compromissos que você possa ter, além de passar, por exemplo, os sábados discutindo opções de resiliência climática, pode ser difícil. Como observou um estudo recente das Academias Nacionais, os esforços para democratizar as forças da ciência e tecnologia terão que buscar maneiras de “melhorar o fluxo de informação, interligar fontes financeiras, articular planos de carreira, construir modelos de competência e implementar estratégias setoriais”. Mas, se você puder encontrar tempo para isso, valerá a pena. Nós todos, como sociedade, temos interesse em fazer essa democratização funcionar para distribuir os benefícios da ciência e tecnologia de modo mais amplo e equitativo possível. Os pesquisadores e tecnólogos precisam da contribuição do público para assegurar que estejam trabalhando para criar o tipo de futuro que a sociedade deseja. E, quando dizemos “o público”, estamos falando de você. NOTA DA REDAÇÃO: Este artigo faz parte do projeto Future Tense (Tempo Futuro), uma colaboração entre a Arizona State University, o New America e a “Slate”. O Future Tense explora os modos como as tecnologias emergentes afetam a sociedade, as políticas públicas e a cultura. Tradução de CLARA ALLAIN