Ameaças norte-coreanas desgastam parceria entre EUA e Coreia do Sul
Por sete décadas, Estados Unidos e Coreia do Sul foram aliados muito estreitos. Soldados dos dois países serviram juntos não só na península Coreana mas no Vietnã, Afeganistão e Iraque. E sob a proteção americana, a economia sul-coreana disparou. Agora, com a Coreia do Norte conduzindo uma série provocativa de testes de mísseis e bombas nucleares, a aliança está sofrendo desgaste, em um momento em que os os dois países talvez precisem dela mais que nunca. O presidente Donald Trump disparou uma rajada de comentários antagônicos nos últimos dias que levaram os sul-coreanos a duvidar de que possam continuar confiando na aliança. Trump afirmou em uma rede social que “conversar não é a resposta!”, no trato com a Coreia do Norte, rejeitando o esforço do novo presidente sul-coreano, Moon Jae-in, para conduzir negociações com Pyongyang. No sábado (2), ele ameaçou retirar os Estados Unidos de um acordo de livre comércio assinado cinco anos atrás com a Coreia do Sul, por conta do que considera políticas protecionistas desleais da parte de Seul. E no domingo (3), depois que a Coreia do Norte detonou seu mais poderoso aparato nuclear até o momento, ele essencialmente acusou os sul-coreanos de apaziguarem o inimigo. “A Coreia do Sul está descobrindo, como eu tinha lhes dito, que a tentativa de apaziguar a Coreia do Norte não vai funcionar, porque eles só compreendem uma coisa!”, afirmou Trump. O tom dos pronunciamentos de Trump abalou as autoridades da Coreia do Sul e sublinhou a distância que o afasta de Moon, no momento em que a aliança militar formada há 67 anos entre os dois países enfrenta um regime cada vez mais perigoso em Pyongyang. Moon, que foi eleito em maio prometendo buscar o diálogo com a Coreia do Norte, rebateu Trump e insistiu em que a crise seja resolvida pacificamente. “Jamais poderemos tolerar nova guerra catastrófica nesta terra”, afirmou o gabinete presidencial sul-coreano em comunicado na noite de domingo. “Não abandonaremos nosso objetivo de trabalhar com nossos aliados para buscar a eliminação pacífica das armas nucleares na península Coreana.” Moon apoiou os esforços de Trump por sanções mais duras contra a Coreia do Norte, e em conversa telefônica na segunda-feira (4), sua primeira desde o teste nuclear no domingo, os dois líderes concordaram em remover o limite de peso para as ogivas convencionais dos mísseis sul-coreanos, disse Park Soo-hyun, porta-voz de Moon. Remover a restrição das ogivas a um máximo de 500 kg, o que era parte de um tratado entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos com o objetivo de prevenir uma corrida armamentista na região, dá aos sul-coreanos mais poder de ataque contra o norte, em caso de um conflito militar. Moon e Trump também concordaram em “um esforço por máxima pressão e sanções contra a Coreia do Norte” no Conselho de Segurança da ONU, disse Park. Mas Moon argumentou que sanções e pressão não bastaram para impedir os avanços da Coreia do Norte em termos de tecnologia nuclear e de mísseis. E enquanto Trump ameaçou “fogo e fúria” contra a Coreia do Norte, Moon declarou que é preciso haver uma solução pacífica porque os sul-coreanos, e não os americanos, arcariam com as maiores consequências de uma guerra. Ele classificou o teste nuclear norte-coreano no domingo como “decepcionante e enraivecedor”. Lee Seong-hyon, analista do Instituto Sejong, sediado nas imediações de Seul, disse que “Trump considera que Moon é ingênuo por insistir no diálogo com a Coreia do Norte quando esta continua construindo mísseis e realizando testes nucleares. Trump está perguntando a Moon se os sul-coreanos estão com ele ou não”. A ameaça de Trump de cancelar o acordo comercial pressiona a economia da Coreia do Sul, que já está sofrendo, em parte por conta da cooperação entre o país e os Estados Unidos. Depois que a Coreia do Norte testou seu primeiro míssil balístico intercontinental, em julho, Moon respondeu autorizando a instalação de um sistema americano de defesa antimísseis pelo qual os EUA vinham pressionando e ao qual ele havia resistido. Mas autorizar o sistema antimísseis enraiveceu a China, que retaliou reduzindo suas compras de bens de consumo sul-coreanos, o que forçou a montadora de automóveis sul-coreana Hyundai a fechar temporariamente algumas linhas de montagem na China. “O mais recente teste nuclear é um alerta aos sul-coreanos que ainda acreditam que um diálogo com a Coreia do Norte seja possível”, disse Lee Byong-chul, pesquisador sênior no Instituto para a Paz e Cooperação, de Seul. “Kim Jong-un jamais abrirá mão de suas armas nucleares”, disse sobre o líder norte-coreano. Agora, o desafio para a Coreia do Sul é como viver com a realidade de uma Coreia do Norte dotada de armas nucleares. Os sul-coreanos temem que, quando os norte-coreanos tiverem mísseis balísticos intercontinentais equipados com ogivas atômicas, os usarão para forçar o afastamento entre Washington e Seul, oferecendo congelar seu programa nuclear em troca de uma retirada das forças militares americanas estacionadas no sul. No pior cenário, dizem eles, a Coreia do Norte poderia realizar um ataque à Coreia do Sul e usar seu arsenal nuclear para dissuadir os EUA de interferirem. Moon também enfrenta pressões políticas internas da direita. Os conservadores sul-coreanos querem que o país adquira armas nucleares táticas e acusam Moon de colocar em risco a aliança com Washington enquanto “suplica por um diálogo com a Coreia do Norte”. “Moon Jae-in se tornou presidente quatro meses atrás e os 50 milhões de sul-coreanos já se tornaram reféns das armas nucleares norte-coreanas”, disse Hong Joon-pyo, líder do Partido Coreia Liberdade, conservador e de oposição. Tradução de PAULO MIGLIACCI