Missão termina sem mudar cenário socioeconômico do Haiti
Treze anos após sua implementação, a Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah) encerra suas atividades com um balanço contraditório. Em seu ápice, chegou a contar com 12 mil militares e 2.400 policiais. Conservando ao longo de toda a operação seu comando militar, o Brasil foi seu maior contribuinte. Assim, em um rodízio semestral, participaram 37.500 militares (80% do Exército, 19% da Marinha e 1% da Aeronáutica). Superando o número de militares enviados ao front italiano no ocaso da Segunda Guerra Mundial (26 mil), a participação na Operação de Paz no Haiti representa o maior deslocamento ao exterior de tropas brasileiras desde a Guerra do Paraguai (1864-1870). A Minustah sofreu 186 baixas, sendo mais da metade por ocasião do terrível terremoto de 12 de janeiro de 2010. A maioria das demais baixas foi provocada por acidentes, suicídios e enfermidades, sendo raros os soldados mortos em combate. Assim, das 27 vítimas brasileiras, nenhuma o foi em ação. Como explicar esta situação? Por uma razão singela: ao contrário das demais Operações de Paz patrocinadas pelas Nações Unidas, no Haiti não havia e não há guerra. Excetuando-se as gangues de Bel-Air e Cité Soleil —liquidadas em 2006—, durante os 11 anos restantes, os militares da Minustah não enfrentaram inimigos. Assim se explica também o ceticismo do primeiro comandante da Minustah (julho de 2004 a setembro de 2005), general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ao declarar em 2010 que, “como exercício militar, a Minustah é excelente; no entanto, como operação de paz, ela não tem mais sentido”. Entre 1993 e 2004, a ONU enviou, sem muito sucesso, seis missões militares, policiais e civis ao Haiti, com um custo direto total de US$ 417 milhões. Por sua vez, o engajamento da Minustah, embora com escasso sentido, consumiu a astronômica soma de US$ 7,2 bilhões. Além desses custos diretos, é necessário adicionar os gastos não cobertos pela ONU e os diferentes programas financiados graças à presença da Minustah. No que diz respeito somente ao Brasil, alcançam R$ 2,5 bilhões. Quando agregamos a suposta transferência de recursos financeiros pós-terremoto (US$ 5 bilhões), em nome do Haiti foram gastos, no período da vigência do mandato da Minustah (2004-2017), aproximadamente US$ 15 bilhões de dólares, o que faz da ex-pérola das Antilhas o maior receptáculo de ajuda per capita do mundo. Os resultados são pífios, pois a atual situação socioeconômica do povo haitiano é catastrófica, ainda pior daquela em que se encontrava em 2004. A falência das ações da comunidade internacional durante este período explica o impressionante fluxo de emigrantes em direção aos países de acolhida tradicional (México, Estados Unidos e Canadá) e, novidade, em direção à América do Sul, especialmente Brasil e Chile. No início de 2010, estávamos preparando uma “saída de crise”. Logo, ocorre o terremoto. Em outubro do mesmo ano, militares do Nepal a serviço da Minustah trazem o vibrião da cólera, vitimando mais de 10 mil pessoas e infectando 800 mil outras. No fim de novembro, desencadeia-se uma crise político-eleitoral provocada pela Minustah. Esta perde o rumo, e o Brasil e seus aliados latino-americanos deixam de ser protagonistas. Logo o destino do Haiti retorna ao seu leito histórico, sob total influência dos Estados Unidos, Canadá e França. Para sua desgraça, o Haiti é membro cativo da agenda do Conselho de Segurança da ONU. Não conseguirá deixar de sê-lo, pois é anunciada uma nova missão em substituição à Minustah. Trata-se da Missão das Nações Unidas para o apoio à Justiça no Haiti (Minujusth), composta por civis e unidades de polícia. Portanto, uma vez mais, os verdadeiros desafios socioeconômicos não serão enfrentados. Prelúdio a novas crises e futuras intervenções militares. RICARDO SEITENFUS foi representante especial da OEA no Haiti (2006-2011) e autor do livro “Haiti: Dilemas e Fracassos Internacionais” (editora da Unijuí, 2014)