A quatro jogos da Copa, artilheiro quer mostrar que Síria é mais do que guerra
Com o jogo empatado em 0 a 0, a seleção da Síria se mandou para o ataque. A vitória sobre o Uzbequistão, em março, era imprescindível para continuar com chances de classificação. Nos acréscimos, a equipe teve um pênalti. O atacante Omar Kharbin, 23, se apresentou para cobrar. Naquela situação decisiva, ele poderia chutar forte ou colocado. No alto ou rasteiro. Deu uma cavadinha na bola. “Era momento em que o goleiro jamais esperaria que eu fosse fazer aquilo. Era arriscado, mas o jeito mais seguro de sair o gol”, afirmou o atacante à Folha. A surpresa e a ousadia do artilheiro sírio das eliminatórias, com oito gols, resumem o que é a improvável campanha da seleção. Nesta quinta (5), o time faz a partida de ida dos playoffs da Ásia para a Copa do Mundo, contra a Austrália. O confronto será em Krubong, na Malásia, às 9h30. O jogo de volta está marcado para terça (10), em Sydney, na Austrália. Quem passar, enfrentará o 4º colocado da Concacaf, valendo vaga para o Mundial na Rússia. A Síria é a zebra. A seleção jamais esteve em uma Copa. O adversário disputou os últimos três torneios. Devastada pela guerra civil iniciada em 2011, a Síria não atua em casa desde 2010. Quase foi retirada das eliminatórias por causa disso. Qatar e Emirados Árabes, dois países consultados para abrigar os jogos da seleção, recusaram. Não queriam estar associados a Bashar al-Assad, presidente acusado de usar armas químicas contra seu próprio povo. O governo sírio nega as acusações. Até hoje, o conflito matou cerca de 400 mil pessoas. A uma hora do prazo final para a Síria conseguir uma casa, a Malásia aceitou o pedido. Se declinasse, a equipe não poderia jogar. “Nós queremos que falem da Síria além da guerra. Somos mais do que isso. Hoje em dia a imagem da Síria ficou associada à guerra e temos a chance de mudar um pouco isso”, diz Kharbin. Ele está fora do país desde 2016, quando foi para o Al Dhafra, dos Emirados Árabes. Em janeiro deste ano, foi contratado pelo Al-Hilal, um dos clubes mais populares da Ásia. Tem nove gols na liga nacional. Sete na Liga dos Campeões do continente. “Omar é um ótimo jogador, que tem faro de gol. Ajuda bastante e está em grande fase. Ele não fala muito sobre a situação no país dele. Acho que está mais tranquilo porque a família inteira conseguiu sair da Síria. Então, fica mais sossegado”, afirma o meia brasileiro Carlos Eduardo, companheiro de Kharbin no time árabe. BOICOTE Ao contrário de outros jogadores do país, o artilheiro não pensou em boicotar a seleção. Tentou separar esporte da política, algo que nem todos conseguiram. Algumas das principais revelações sírias, fartas dos horrores da guerra, desistiram. Como o meia Mohammed Jaddou, 19, que se refugiou na Alemanha e hoje joga no Arminia Bielefeld, da 2ª divisão. O mesmo aconteceu com Omar Al Soma, 28, atacante do Al Ahli, da Arábia Saudita. Por causa de Assad, ele ficou cinco anos sem atuar pela seleção. A primeira partida do seu retorno foi contra o Irã, em 5 de setembro. A Síria precisava de um empate para avançar aos playoffs e perdia por 2 a 1 até os 49 do 2º tempo. Al Soma marcou e classificou a seleção. “Agora na Síria há muitos assassinos, não apenas um ou dois. Odeio a todos eles. O que quer que aconteça, 12 milhões de sírios vão me amar e os outros 12 milhões vão querer me matar”, disse ele, em entrevista para o site da ESPN britânica. Al Soma quis dizer não desejar ser visto como aliado de Assad, mas que recusava que seu boicote fosse interpretado como apoio a grupos terroristas que se opõem ao presidente, como o Estado Islâmico e Al-Qaeda. “O resultado contra o Irã foi incrível pela maneira como aconteceu, com um gol no último lance. Com o passar do tempo, o time foi acreditando ser possível [ir para a Copa]”, completa Kharbin. É inevitável que o regime tente conseguir ganhos políticos com as vitórias da seleção. Nos primeiros jogos das eliminatórias, alguns atletas deram entrevistas usando camisas com a imagem de Assad estampada, após pedido da federação. Para os jogadores que atuam na Síria, o governo garante o pagamento do salário mínimo (R$ 230 mensais), custeia as viagens e hospedagens para os jogos. Depois de mais 360 minutos de futebol, pode ter de financiar também uma viagem à Rússia no ano que vem.