Apesar de atualizar e realçar mito, ‘Pentesileia’ derrapa em idealismo
PROGRAMA PENTESILEIA (MUITO BOM) QUANDO sex. e sáb., às 21h30; dom., às 18h30; até 10/9 ONDE Sesc Belenzinho, r. Padre Adelino, 1.000, tel. (11) 2076-9700 QUANTO R$ 6 a R$ 20; 14 anos * O espetáculo “Programa Pentesileia – Treinamento para a Batalha Final” é feito a partir da aproximação entre o mito clássico da rainha das amazonas e a floresta, o rio e a região brasileira de mesmo nome do mítico matriarcado de mulheres guerreiras. A cenografia de Márcio Medina inscreve no chão o percurso sinuoso do rio Amazonas e coloca Pentesileia enclausurada por “paredes” de látex –a matéria cobiçada pelos violentos ciclos de extração com fins industriais. Ao longo da encenação de Maria Thaís, Pentesileia transfigura-se da rainha clássica em uma velha índia guerreira. Já o herói grego Aquiles (a quem a rainha confronta) é um jovem citadino com corte arrojado de cabelo e vestimenta moderna. Ele fuma um cigarro eletrônico enquanto ouve-se ao fundo motosserras em meio a uma queimada. Essa contradição entre natureza primordial e progresso desmedido atualiza o conflito clássico de Aquiles e Pentesileia. A montagem recoloca o mito no debate entre o indivíduo e a dimensão pública. Antonio Salvador constrói Aquiles com gestos precisos que se entrelaçam com as palavras do texto de Lina Prosa, criando uma imagem num só tempo repulsiva e fascinante. Quando ele narra o assassinato de Pentesileia, aparece tanto a covardia do feminicídio como a altivez do homem pragmático. O trabalho do ator revela o magnetismo terrível e cativante presente na retórica selvagem do capital, no patriarcado e no fascismo. Por outro lado, o esforço gestual que a atriz octogenária Maria Esmeralda busca para Pentesileia esbarra em um texto estático que se perde em subjetividade e lirismo excessivo. Apesar da insurrecta força anciã que a atriz imprime à amazona, fica refém de uma imagem paralisada e idealista da índia guerreira aguardando a batalha. Ainda que a rainha emane beleza poética, é inevitável que a objetividade do grego se sobreponha. Aquiles tem lastro social, político e histórico. Pentesileia é uma abstração lírica. Ela desperta comoção com a ideia de resistência obstinada, mas não se sustenta como alternativa diante da barbárie concreta. Como um pêndulo, a peça oscila entre a impressionante materialização do mito e o frágil encanto idealista de resistência à sua brutalidade.