Autora faz retrato apaixonado de Ruy Guerra em biografia

RUY GUERRA: PAIXÃO ESCANCARADA (muito bom) AUTORA Vavy Pacheco Borges EDITORA Boitempo QUANTO R$ 59 (496 págs.) * Como personagem de biografia, o diretor, roteirista, ator, compositor e poeta Ruy Guerra –que completará 86 anos no próximo dia 22– representa ao mesmo tempo uma empreitada dos sonhos e uma jornada de pesadelo. Nascido em Moçambique, formado em cinema na França e radicado no Brasil, realizador de “Os Cafajestes” (1962), “Os Fuzis” (1964), “Ópera do Malandro” (1985) e “O Veneno da Madrugada” (2006), ele tem levado o que se costuma chamar de vida intensa. Uma figura apaixonada e apaixonante, mas nada plana, porque também difícil, provocadora e às vezes incômoda. A riqueza e o colorido de sua trajetória pessoal e profissional correspondem ao sonho de todo biógrafo. Mas a outra face dessa moeda é um personagem com pegadas firmes em três continentes, inúmeras residências e pouco apreço pela organização da, digamos, papelada. Autora de diversos livros de história (como “Memória Paulista”, sobre a Revolução de 32) e de uma biografia (“Em Busca de Gabrielle”), a historiadora Vavy Pacheco Borges era capaz de imaginar o montante de trabalho que lhe esperava quando consultou o diretor sobre o projeto de biografá-lo. “Ruy Guerra: Paixão Escancarada” começa por um relato detalhado e divertido de como se deu o interesse da biógrafa, o contato inicial e a posterior negociação com o biografado. Abre-se ali a “caixa preta” do livro, em uma longa introdução que talvez diga mais sobre a autora do que sobre o personagem. Dessa forma, descortina-se o que encontramos em quase 500 páginas: uma biografia que é também, para usar o jargão do cinema, um making of do próprio livro. TRAJETOS TORTUOSOS Não acompanhamos o desenrolar da vida de Ruy como em um romance, e sim a jornada de Vavy em busca da reconstituição de seus trajetos, muitos tortuosos. Jornada que, em algumas ocasiões, foi realizada tendo Ruy por companhia. E que, por vezes, produziu ainda mais material para a vida que se investigava. Vavy ajudou, por exemplo, a organizar uma homenagem que o levou de volta a Moçambique depois de um longo hiato. Foi ela também quem roteirizou (com os diretores Diogo Oliveira e Bruno Laet) e assinou a produção executiva de um documentário sobre ele, “O Homem que Matou John Wayne”, concluído em dezembro de 2015, mas só lançado nos cinemas no dia 17/9. A paixão a que se refere o título, como se nota, tem dupla interpretação. Mas a escancarada admiração da biógrafa pelo biografado não transforma o diretor em herói, muito menos impede que circulem informações nem sempre positivas sobre ele. Vavy buscou o homem, com todas as suas imperfeições. O método de pesquisa participante e escrita transparente acaba por favorecer o que o livro talvez ofereça de mais historiográfico: vê-se muito além de Ruy no livro, seja quando estamos em Moçambique ainda colonizado pelos portugueses ou no país já independente. O mesmo vale para a Paris cinéfila em que a escola mitológica (o IDHEC, atual FEMIS) ganha contornos bem realistas e pouco elogiáveis, para o coração efervescente do Cinema Novo ou para as parcerias com Chico Buarque e Gabriel García Márquez.