Aventura catalã

O plebiscito sobre a independência da Catalunha, convocado para este domingo (1º), ganhou contornos belicosos. Em boa medida, pela intransigência do governo local, que insiste em desafiar o entendimento do Tribunal Constitucional da Espanha de que a consulta é ilegal no atual ordenamento jurídico. O líder catalão, Carles Puigdemont, não cedeu às ordens da Justiça espanhola e do governo do premiê Mariano Rajoy para que suspendesse a votação. Policiais estão orientados a impedir a entrada de qualquer pessoa nos locais escolhidos como zona eleitoral. Puigdemont e seu movimento independentista afirmam que os 7,5 milhões de moradores da próspera região no nordeste espanhol têm direito à autodeterminação. Para defensores do plebiscito, os catalães seriam mais ricos se lhes fosse dada a chance de gerir um Estado soberano, sem depender da política tributária estabelecida por Madri. À primeira vista, tais argumentos podem parecer razoáveis, mas não resistem a análise mais criteriosa. A começar pela primeira questão: há consenso internacional, exposto em várias resoluções da ONU, de que a reivindicação de soberania de um povo cabe apenas àqueles sujeitos a algum tipo de dominação colonial ou ocupação estrangeira. Seguramente, os catalães não se enquadram nessas condições. Desde o fim da ditadura de Francisco Franco, em 1975, e a aprovação da Constituição democrática, em 1978, a região não sofre nenhuma forma de cerceamento de sua cultura e de seu idioma. Como uma das 17 Comunidades Autônomas da Espanha, a Catalunha tem Parlamento e governo próprios. A capital, Barcelona, é símbolo de cosmopolitismo e grande polo turístico da Europa. Acerca da discussão financeira, independentistas têm razão parcial na queixa de que a região, responsável por 19% do PIB espanhol (se equipara a Madri como motor econômico do país), recebe do governo central menos repasses do que contribui em impostos. Entretanto outras comunidades autônomas, como Madri e Valência, também vivem a mesma situação, em razão da redistribuição de recursos aos locais mais pobres. Por fim, 57% dos próprios catalães não creem que um plebiscito inconstitucional seja o caminho para resolver querelas com o governo. O “sim” pode até vencer, mas deve-se lembrar que o voto é facultativo, e a parcela contrária à consulta não deve comparecer às urnas. Seja qual for o resultado, fica patente que tal via levará apenas a um perigoso choque entre uma minoria separatista e o Estado espanhol. [email protected]