Brasil precisa valorizar seus próprios capitalistas, diz ex-reitor da USP
Por ideologia, a pesquisa de história do Brasil olha apenas para a política e os movimentos sociais, e deixa de lado os empresários, diz o professor da FEA e ex-reitor da USP Jacques Marcovitch. Dedicado nos últimos 16 anos a registrar a trajetória de 24 empreendedores pioneiros (veja quadro ao lado), ele acaba de formar uma turma de 35 professores da rede pública -o Estado de São Paulo incluiu o ensino do empreendedorismo no currículo do ensino médio. Marcovitch diz que o Brasil precisa deixar cultuar empresários estrangeiros, valorizar seus próprios modelos e mostrar aos jovens que “adversidade não é condenação do futuro”, Na seleção dos personagens para seu projeto, o ex-reitor diz ter deixado propositalmente de fora setores “que surgem e se afirmam em dependência contínua do governo”. “Empreiteiras?” “Você é quem está dizendo”, responde ele. Marcovitch negocia patrocínio para trazer a São Paulo exposição sobre os capitalistas que já levou ao Rio, a Fortaleza, Recife e Manaus. “Estamos chegando a 2022, bicentenário da Independência. Vamos levar para a juventude a mesma coisa do passado? A relação política com a metrópole? Ou vamos trazer dimensões novas, começando por Mauá, que se desvinculou da metrópole a ponto de criar indústrias no Brasil, o que era proibido na colonização?” Dentre os 24 pioneiros, o destaque de Marcovitch é Roberto Simonsen. “Foi capaz de unir pioneirismo, sucesso empresarial e a realização intelectual e acadêmica.” * Folha – Qual a raiz do projeto? Jacques Marcovitch – Na década de 1970, quando comecei a dar aulas na FEA, procurei exemplos de empresários brasileiros. Havia [Henry] Ford, [Jules Henry] Fayol, [John Davison] Rockefeller, mas do Brasil não havia nada. Só um pouco de Matarazzo. Que é italiano. Sim, dos pioneiros, parte não é nascida aqui [veja a lista abaixo]. Mas há uma adversidade de origem que explica um traço do pioneirismo brasileiro. Enfrentar a adversidade muito cedo faz com que o indivíduo se prepare melhor para a vida. Em cargos de gestão na USP, precisei transitar por outras áreas e comecei a descobrir o que há de pesquisa de empresários. Há um divórcio entre a história do Brasil e a presença dos empresários. Em qualquer livro, o máximo que se encontra é [barão de] Mauá. Por quê? No Brasil, como em alguns outros países de cultura latina, a tendência é demonizar o do lucro. Há uma ideologia que ainda entende que o setor produtivo se apropria da mais-valia e marginaliza a força do trabalho. A história de empresas, ou mesmo a econômica, é relegada a segundo plano. Isso não quer dizer que não tenhamos excelentes teses. Nem sempre na história, às vezes na sociologia. Fomos descobrindo pouco a pouco onde elas eram guardadas. Ficavam escondidas? Eles estavam escondidos lá [risos], o Jafet, o Matarazzo. Quando o projeto passou a ser pedagógico? Quando fizemos o projeto museológico. Ele força você a pensar em como se comunicar com os jovens. Nossa preocupação é influenciar as mentalidades, não simplesmente expor. Influenciar como? Hoje a sala de aula é um lugar não de transferência, mas de construção de conhecimento, de identidade e de projeto de vida. No conhecimento, precisamos despertar, através de mitos positivos, uma curiosidade. O garoto sai da aula e vai buscar um pioneiro empreendedor no bairro dele, no qual pode se inspirar, e entender que somos capazes de construir o futuro. Na identidade, se o jovem não vê referências positivas do nosso passado, como vai construir um futuro melhor? Estamos chegando a 2022, bicentenário da Independência. Vamos levar para a juventude a mesma coisa do passado? A relação política com a metrópole? Ou vamos trazer dimensões novas, começando por Mauá, que se desvinculou da metrópole a ponto de criar indústrias no Brasil, o que era proibido na colonização? Como isso vira projeto de vida? As lições que se tiram dos 24 personagens é que riqueza não é objetivo, mas meio para viabilizar o sonho, que o verdadeiro poder é mandar em si mesmo, não nos outros. E que sabedoria é valorizar o conhecimento dos outros, daqueles que podem ajudá-los a viabilizar o sonho. Muitos dos pioneiros nunca estudaram, não tiveram educação formal. Adversidade na juventude é insumo que não falta no país. Como completar o ciclo? Esse é o principal desafio do nosso projeto e tantos semelhantes. Como dizer ao jovem que adversidade não é uma condenação do futuro? Que, pelo contrário, pode haver nisso o meio de superação? A melhor forma é dar exemplos. Os pioneiros podem constituir esse exemplo. Veja o empreendedorismo na ilicitude, nossas redes de comércio ilícito, drogas, receptações de roubos. O potencial está aí. A pergunta não é se esses jovens vão ou não se tornar empreendedores. Uber, taxistas são empreendedores. Autoempregados que resolvem assumir seus próprios riscos. Se caminhamos para a agenda positiva… Por outro lado, a história brasileira sempre foi de confusão entre o público e o privado. Como separar o que foi empenho deles do que foi intimidade com o poder político? Na fase do surgimento e da evolução de uma economia, n o que chamo de “take-off” [decolagem], a relação entre Estado e setor privado é de simbiose, de complementaridade. Pode evoluir para parasitismo, mas o papel do Estado é importante. Esse momento de simbiose aconteceu com boa parte dos pioneiros, mas outros não precisaram do Estado. Acho que sua pergunta tem a ver mais com alguns setores que não estão nessa coletânea. E não é por acaso que não estão. As empreiteiras? É você quem diz. Esses setores praticamente surgem e se afirmam numa dependência contínua do setor público. O ambiente de negócios não é muito hostil no Brasil? Era mais antes da crise política, de junho de 2013, quando se achava que tudo daria certo e haveria dinheiro para tudo. Então veio julho de 2013. Depois veio 2014 —nem quero lembrar o 8 de julho de 2014, o 7 a 1. Começamos a conviver com ele não só no futebol, mas na política e na economia. A depressão é absoluta e há uma mensagem implícita: não tem mais Estado provedor nem recursos ilimitados nos bancos públicos. Cada um tem que se virar. Veja só, a Assembleia Legislativa aprovou o plano de educação empreendedora para todas as escolas públicas de São Paulo. Há cinco anos, diriam “olha o capitalismo entrando nas nossas escolas públicas”. Hoje é um projeto da Secretaria da Educação. RAIO-X Idade: 70 anos Formação: administração na USP, mestrado na Universidade Vanderbilt, doutorado na USP Carreira: presidente das Companhias de Energia do Estado de São Paulo (1986-1987), reitor da USP (1997-2001), secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo (2002). É professor da FEA e do Instituto de Relações Internacionais da USP 24 EMPRESÁRIOS PIONEIROS Barão de Iguape (1788-1875) Barão de Mauá (1813-1889) Herman Lundgren (1832-1907) Luiz Tarquínio (1844-1903) Bernardo Mascarenhas (1847-1899) Luiz de Queiroz (1849-1898) João Gerdau (1850-1917) Ramos de Azevedo (1851-1928) Francisco Matarazzo (1854-1937) Nami Jafet (1860-1923) Julio Mesquita (1862-1927) Jorge Street (1863-1939) Delmiro Gouveia (186?-1917) Wolff Klabin (1880-1957) * Onde nasceu: Lituânia Horácio Lafer (1900-1965) * Onde nasceu: São Paulo Guilherme Guinle (1882-1960) Roberto Simonsen (1889-1948) Attilio Fontana (1900-1989) José Ermírio de Moraes (1900-1973) Leon Feffer (1902-1999) Roberto Marinho (1904-2003) Azevedo Antunes (1906-1996) Valentim Diniz (1913-2008) Samuel Benchimol (1923-2002) Edson Queiroz (1925-1982)