Citações a ministros do STF em gravação não revelam ‘atos ilícitos’

O diálogo gravado em março passado entre o empresário Joesley Batista e seu subordinado Ricardo Saud não relaciona nenhum dos três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) citados a qualquer irregularidade ou ato ilícito. São referências vagas, de investigados conversando sobre o que teriam ouvido de terceiras pessoas. Na gravação, nenhum dos dois delatores afirma ter obtido qualquer vantagem ou mesmo promessa de vantagem de nenhum dos ministros –Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes– assim como não é discutida qualquer forma de corrupção. A conversa indica mais uma tentativa dos futuros delatores de tentar entender como influenciar decisões do Judiciário. O conteúdo da gravação, tornado público nesta terça-feira pelo site de “O Globo”, se choca com a declaração dada na segunda-feira (4) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em entrevista. Segundo Janot, que na ocasião se recusou a dar maiores detalhes, o áudio conteria indícios de “atos ilícitos” no STF e na PGR (Procuradoria-Geral da República). Os nomes de dois dos ministros foram citados por Saud quando ele trata da eventual contratação do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo (PT-SP) e sua possível proximidade com os ministros do Supremo. Segundo Saud, havia uma tese do procurador da República Marcello Miller, que na época estava auxiliando os executivos a formatarem seus anexos para o acordo de delação premiada, que seria fechado com a PGR em maio. “Ele [Miller] acha que o [ex-ministro da Justiça] Zé Eduardo [Cardozo] é o melhor caminho para chegar no Supremo”, disse Saud. O executivo sugere que a PGR pretendia investigar ministros do tribunal, mas não cita nomes. Na sequência é feita a menção à ministra Cármen Lúcia, presidente do STF. Cardozo teria dito a Saud e Joesley, em uma outra reunião supostamente gravada, cujo áudio não consta da investigação, que ele tinha proximidade com a ministra. Não há nenhuma prova da suposta proximidade. SUPREMO Em outro trecho da gravação, Saud afirma que teria dito a Marcello Miller que Cardozo lhe disse ter “cinco ministros” do Supremo “na mão dele”. Novamente a expressão não é explicada, mas seria uma suposta referência à influência política no tribunal. Cardozo preferiu não se manifestar sobre o assunto. De acordo com Saud, Miller desconfiou dessa conta. “Ele [Miller] falou: ‘Cinco ele não tem, não. Só se eles contam o Lewandowski até hoje’. [Saud respondeu] ‘Ah, isso aí eu não sei’. Deu nome lá. ‘Se contar o Lewandowski acho que têm cinco'”, disse Saud a Joesley, na conversa gravada. A passagem é a única que faz referência a Lewandowski. A citação ao terceiro ministro, Gilmar Mendes, é ainda mais vaga. Saud disse ter comentado com Miller que “eles”, ou seja, a PGR, iriam “esquecer aquele trem da briga do Gilmar”, em referência a divergências entre Janot e Gilmar Mendes, e direcionar seu suposto interesse investigativo sobre três outros ministros, não nominados. * LEIA TRANSCRIÇÃO DO ÁUDIO Saud: Esses caras [da PGR] são tarado, esses caras, são tarado [no sentido de quererem saber de irregularidades]. Tem jeito de ganhar deles nunca. Joesley: Nunca. Não, vamos fazer assim, nós vamos combinar com eles assim. Quando terminar o nosso serviço, o último, nós vai te chamar. Porque aí se der merda… Saud: [inaudível] Joesley: O Renan, o Zé Eduardo. Ele [Marcello Miller] ficou enlouquecido com o Zé Eduardo. Saud: Ele [Miller] acha que o [ex-ministro da Justiça] Zé Eduardo [Cardozo] é o melhor caminho para chegar no Supremo. Joesley: Ele te falou isso? O que que ele te falou? Saud: Não, eu contando lá, do [inaudível], das coisas, e tal, aí nós ouvindo a fita e tal. Joesley: Não, o que você falou para ele? Saud: Não, eu falei para ele, ‘Ó, a conversa lá foi assim, assim, assim [conversa entre Joesley, Saud e Cardozo]’. Joesley: Assim o quê, me fala. Saud: Não, contando. Nós chegamos lá, começamos a conversar, o Joesley falando com ele, como é que estavam as coisas, que que tinha feito. Aí ele falou da lei. Eu não sabia da lei. [inaudível] Tanto que ele riu na hora da lei. Falou que em outubro foi aprovado uma lei assim, negócio de narcotráfico, mudaram a lei lá, passou para outra coisa. […] [Miller indagou] ‘Ah, ele falou dessa lei?’ O filho da puta ainda me gozou. ‘Mas essa lei é de narcotráfico, não tem nada a ver com nada, não’. Eu falei. ‘Ah, aí não sei, o Joesley tentou me explicar lá, eu não sei, eu vou ler depois’. Nós falamos, eu falei, inclusive lá nós conversamos: ‘Porra, velho, o cara falou que tem cinco…’ Joesley: Ministros. Saud: ‘…Cinco do Supremo na mão dele. Inclusive muitos conversados e outros não é só palavreado, não, [é por] escrito, tal’. Ele falou: ‘Cinco ele não tem, não. Só se eles contam o Lewandowski até hoje’. ‘Ah, isso aí eu não sei’. Deu nome lá. ‘Se contar o Lewandowski acho que têm cinco’. ‘Mas ele tinha essa intimidade com a Dilma?’. [Saud respondeu] ‘Intimidade? Eu vou te contar: eu achei que os três estava fazendo suruba’. Porque ele falou da Cármen Lúcia, eu comecei a contar da Cármen Lúcia. ‘Que vai lá falar de sexo com a Dilma, tá os três juntos, tal tal, tal’. ‘Ah, ele tem mesmo essa intimidade? Então ele entrevistou os caras, então não é mentira não’. ‘Foi, eu tô falando’. Eu contei para ele do escritório… Joesley: Que escritório? Saud: Do [advogado] Marco Aurélio, que estava lá, ajudava. ‘Falou do dinheiro, falou do dinheiro?’ ‘Não’. Aí voltou pro Supremo. ‘Mas o que a Dilma falou?’ [inaudível] ‘Não, não falou nada disso, recebeu a Cármen Lúcia lá e tal, na última indicação’. Aí eu contei para ele do se…, aí ele mudou de assunto. ‘Sexo? Elas falaram disso?’ [Saud disse]: ‘É suruba dos três, rap…’. ‘Não, isso eu quero ouvir’. Menino, o cara me empurrava lá na frente [inaudível] putaria… [Miller disse] ‘Esse cara é louco?’ Joesley: Aí você mostrou a fita? Saud: Não, fui mostrando. Ele falou: ‘Isso dá cadeia! Isso prende o Zé Eduardo amanhã, isso prende ele amanhã. Melhor não, melhor não. Se a Cármen Lúcia [inaudível], prende amanhã’. Joesley: Eles, o Supremo. Saud: É. Aí ele: ‘Deixa eu ver de novo. E prende você também. Está falando de suruba aí, você não fala isso mais não. Eu vou te orientar, você não fala isso mais nunca. Falar que a presidente da República, a presidente do Supremo e ele tá fazendo suruba? Você tem noção do que você falou?’. Ele [Miller] me deu uma dura tão grande. ‘Você tem noção do que você falou? Presidente do Brasil, presidente do Supremo e ministro da Justiça fazendo suruba? [inaudível] Aí não pode botar lá, isso aí não pode. Nós temo que tirar. Tem que usar isso contra o Zé Eduardo. Bora pressionar o Zé Eduardo, tem que contar quem é esse cara do Supremo. Pode isso? ‘Vamos esquecer aquele trem da briga do Gilmar Josley: Como? Esquecer a briga…