Com 35% de desperdícios, Brasileiro deste ano é líder em pênaltis perdidos
Se o goleiro é aquela figura que sempre fica abandonada na hora do pênalti, “na imensidão da meta vazia”, como escreveu Eduardo Galeano (1940-2015), os números do atual Campeonato Brasileiro servem de alívio a eles. O índice de 35% de cobranças perdidas (27 em 78 chutes) nas primeiras 23 rodadas do Nacional é um recorde nos últimos três anos, inclusive na comparação com os principais campeonatos nacionais de futebol do mundo. Levantamento feito pela Folha, com base em dados do Footstats e do TransferMarkt, mostra que entre 2015 e 2017, nenhuma vez, no Brasil ou fora, o índice de pênaltis perdidos superou os 30%. NEM SEMPRE É GOL – Por temporada ÍNDICE DE ERRO – Em % A comparação considerou os campeonatos nacionais da Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália, França e Argentina. Na maioria das vezes, o índice de erros fica entre 20% e 30%. A literatura científica corrobora a discrepância dos números registrados no atual Campeonato Brasileiro. Uma análise feita pelo professor de Educação Física Júlio Wilson dos Santos, da Unesp de Bauru, e do aluno Estevão Franco Ribeiro, mostra que em um conjunto de 527 cobranças feitas entre 2010 e 2015, seja em clubes ou em seleções, o índice de pênaltis perdidos foi de 26%. Apesar do imponderável sempre estar em campo, o ex-goleiro Zetti, hoje comentarista da posição na TV e no rádio, tem uma explicação técnica para os erros. “Tenho observado que muitos atacantes estão preocupados em enganar demais o goleiro. Em definir igual ao Neymar [corrida de lado para a bola e uma paradinha antes de definir] e o chute acaba saindo fraco. Mas ele treina demais aquela forma de bater e sabe muito bem fazer aquilo”, afirma o ex-jogador. Os números embasam a análise de Zetti. Em 14 dos 27 pênaltis errados no Brasileiro os batedores tentaram, com paradinhas ou passos laterais, enganar o goleiro. Henrique Dourado, do Fluminense, é exceção. “Treino muito e procuro ser frio ao cobrar”, disse o atacante que anotou seis gols, todos com paradinha, mas deslocando o goleiro, no Brasileiro. A receita dada pelo goleiro Vanderlei, do Santos, que já pegou três pênaltis no Brasileiro e viu outros dois baterem na trave –Victor, do Atlético-MG, defendeu quatro–, é praticamente a mesma do ex-goleiro Zetti. “Hoje é fácil observar os batedores. Ao mesmo tempo é preciso ter explosão e não querer acertar o canto muito antes. Esperar até o último minuto”, explicou Vanderlei, após um dos seus êxitos. Zetti lembra que a defesa do pênalti do argentino Gamboa, no Morumbi, na final da Libertadores contra o New’s Old Boys em 1992, que deu o primeiro título do torneio ao São Paulo, também ocorreu porque eles estudaram os batedores do time adversário. “O Valdir Joaquim de Moraes, treinador de goleiros, mapeou o jeito de eles baterem. No momento das disputas, o Alexandre [goleiro reserva que morreria dias depois em um acidente de carro, aos 20 anos] ficou com as anotações. De longe, ele fazia gestos para mim. Isso ajudou muito”, relembra Zetti. Se pênalti bem batido, segundo o ex-jogador e a ciência, é aquele forte, no canto, os estudos da Unesp de Bauru, afirma Santos, também desmistificam a tese de que pênalti é uma grande loteria. “O sucesso da cobrança é determinado pela qualidade do batedor. No entanto, o estresse do cobrador durante o jogo e o fato dos goleiros estarem cada vez mais analisando as cobranças, certamente, aumenta a chance de defesa”, diz o pesquisador. Os dados coletados por ele dão boas dicas para batedores e goleiros. Acertou mais quem chutou no canto superior esquerdo (82%). Defendeu mais quem ficou esperando no meio do gol (22%). A síntese da mitologia do pênalti era o meia Rivelino. O craque da seleção de 1970, por errar demais nos treinos, preferia jamais bater. Apesar de cobrar muito bem faltas. COMO É LÁ FORA? – Pênaltis totais, por temporada COMO É LÁ FORA? – Índice de erro, em %