Com retirada de diplomatas, Trump sabota pacto com Havana

Pode levar algum tempo até que se descubra quem foi o autor dos “ataques acústicos” contra diplomatas americanos em Havana, mas uma coisa é certa: foi a maneira mais fácil e rápida de reverter a aproximação entre Cuba e Estados Unidos, legado do governo Obama. O governo cubano nega ter participação nos ataques contra os diplomatas americanos. Nesta sexta-feira (29), Josefina Vidal, responsável no ministério das relações exteriores cubano pela negociação do acordo de reaproximação com os EUA, emitiu uma nota: “Enfatizo que o governo de Cuba não tem responsabilidade alguma nos fatos alegados e consideramos a decisão anunciada pelo departamento de Estado precipitada, e vai afetar as relações bilaterais”. O próprio governo americano não disse, em nenhum momento, que Cuba era culpada. “Reconhecemos os esforços que o governo cubano tem feito para investigar e sua cooperação para facilitar a investigação americana”. Em off, diplomatas afirmam que tudo indica não ter sido o governo cubano o autor dos ataques. Mas então, quem foi? E quem ganha com os “ataques acústicos” e o distanciamento entre Cuba e EUA? “Quem quer que esteja fazendo isso obviamente está tentando interromper o processo de normalização de relações entre os EUA e Cuba. Alguém ou algum governo está tentando reverter o processo”, disse o senador democrata Patrick Leahy, que apoia o acordo. Donald Trump fez campanha dizendo que o acordo de reaproximação com Cuba, firmado por seu antecessor, Barack Obama, em dezembro de 2014, era um “mau acordo”. Em junho, Trump havia anunciado um “cancelamento” do acordo. Mas, na realidade, tinha feito bem pouco – aumentou restrições para viagens de americanos a Cuba e proibiu transações comerciais entre empresas americanas e entidades militares cubanas, que controlam grande parte da economia da ilha. As relações diplomáticas entre os dois países tinham sido mantidas intactas, com as embaixadas em Washington e Havana seguiram abertas. As remessas e viagens de cubano-americanos tampouco foram afetadas. Conservadores e a bancada anti-Castro ficaram insatisfeitos. O governo afirmou que iria anunciar novas regras restringindo ainda mais as viagens de americanos à ilha, mas não havia feito isso, até agora. Com a ruptura desta sexta-feira, anti-castristas estão comemorando, embora continuem pedindo medidas mais duras. Alguns analistas políticos apontam para o suspeito usual –a Rússia. Se o governo do país hackeou o sistema eleitoral americano e usou as redes sociais para garantir a derrota de Hillary Clinton, nêmesis do Kremlin, poderia facilmente ter arquitetado os ataques contra diplomatas americanos para minar as relações Cuba-EUA. Putin tem se dedicado a uma aproximação com alguns países da região, entre eles Venezuela e Cuba. Nos últimos anos, a Rússia tem amparado Cuba com fornecimento de petróleo, uma vez que a Venezuela em desintegração não supre mais as necessidades cubanas de combustível. E a Rússia também anunciou que vai investir US$ 2 bilhões no sistema ferroviário do país. Mas dificilmente num Estado policial como Cuba algum estrangeiro teria atuado por tanto tempo contra diplomatas americanos sem ser detectado pelos serviços de inteligência. Portanto, se fosse um outro país por trás dos ataques, provavelmente o regime de Castro saberia. E, por fim, restam as dúvidas sobre o “ataque acústico”. O governo americano divulgou pouquíssimas informações sobre a agressão. Especialistas acreditam que teriam sido usadas armas que emitem frequências não captadas pela audição humana, muito baixas (infrassom) ou muito altas (ultrassom). Mas para especialistas ouvidos pelo diário britânico Guardian, Para uma arma dessas causar “perda auditiva” nos diplomatas, como foi dito pelo governo dos EUA, ela teria de ser do tamanho de um carro, o que tornaria o ataque um pouco difícil de esconder. Uma arma dessas causar “danos cerebrais”, como foi dito pelo departamento de Estado, parece ainda menos crível. São muitas perguntas sem resposta. A única certeza é que, ao reduzir ao mínimo o pessoal na embaixada em Havana e suspender a concessão de vistos, além de determinar que qualquer negociação ou encontro bilateral terá de se realizar em solo americano, Trump efetivamente sabota o acordo.