Como a exposição do Santander, não devemos censurar a ‘cura gay’
Se o leitor, como eu, não vê gays como pessoas doentes, deve ter achado um absurdo a decisão do juiz que afrouxa a proibição de psicólogos para tratarem a homossexualidade de pacientes. Mas inspire um pouco de benevolência e tente enxergar a polêmica da “cura gay” por outro lado. Em sessões de psicologia clínica, o conceito de bem-estar é subjetivo. Depende do paciente definir o que considera um mal, um distúrbio que deseja tratar. Deve ter liberdade para tentar se livrar de um traço de personalidade que o incomoda ou aprender a lidar com ele. Não são especialistas, ativistas ou burocratas que devem definir o que é um comportamento saudável. Uma mulher pode se incomodar com uma vida sexual promíscua e procurar um psicólogo para mudar de conduta, enquanto outra busca ajuda justamente para se libertar de amarras sexuais. Muitos homens procuram aconselhamento para conseguirem sair do armário e contar à família sobre sua orientação sexual. Mas nada impede que outros considerem que o hábito de fazer sexo com homens prejudica sua vida e optem por largar esse comportamento. Em todos esses casos, a opinião de feministas, católicos, de Jean Wyllys ou de Marco Feliciano não deve se impor sobre a do indivíduo que busca ajuda na terapia. A escolha por uma “cura gay” ou “cura hétero” deve ser feita entre as quatro paredes do consultório. É engraçado ver gente contrária à censura do Santander, que envolvia dinheiro público e presença de crianças, querendo agora se intrometer no que homens adultos fazem com o próprio dinheiro. A decisão do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho se ampara muito bem na garantia contra a censura. Ele afirma que a Constituição impede “privar o psicólogo de estudar ou atender àquelas que, voluntariamente, venham em busca de orientação de sua sexualidade, sem qualquer forma de censura, preconceito ou discriminação”. O juiz não concorda com a tese de que a homossexualidade é doença. Só não quer “proibir o aprofundamento dos estudos científicos relacionados à orientação sexual, afetando assim, a liberdade científica do país”. O melhor argumento contra a cura gay é o do charlatanismo. Em geral, a eficácia de tratamentos baseados em psicoterapias é baixa. É ainda mais duvidoso acreditar que algum psicólogo conseguirá mudar a sexualidade de seus pacientes, como prometia a psicóloga brasileira Rozangela Alves Justino, que moveu ação julgada nesta semana. Mas esse charlatanismo continua proibido. O artigo 20 do Código de Ética do Psicólogo impede o profissional de fazer “previsão taxativa de resultados” e “divulgação sensacionalista das atividades”. Ao anunciar serviços, psicólogos só podem fazer referência a suas qualificações e a técnicas reconhecidas pelo conselho. Propagandas do tipo “resolvo vício e insônia” ou “faço seu filho virar macho em duas semanas” continuarão proibidas e motivando processos. Gays costumam dizer que o Estado não deve se meter no que homens adultos fazem voluntariamente a portas fechadas. Pois isso também deveria valer para a relação entre o psicólogo e seu paciente.