Dados sobre origem acompanham pescado até a mesa de restaurante
Numa rua em Copacabana, no Rio, um restaurante serve a tainha com um acompanhamento inusitado: um cartão com QR code. A novidade entra no cardápio em outubro, quando a pesca da tainha volta a ser liberada após o período de defeso. Antes de saborear o prato, o cliente que escanear o código com o celular vai descobrir todo caminho que o pescado percorreu até chegar ali: origem, data da captura, detalhes da espécie. A tainha, comprada por R$ 15 o quilo, vem da comunidade Praia da Pitoria, em São Pedro da Aldeia (RJ), onde cerca de 600 famílias vivem da pesca artesanal, direta ou indiretamente. A iniciativa é parte do projeto Pesca+Sustentável, coordenada pela CI (Conservação Internacional). A proposta é implementar um sistema de rastreamento do pescado com informações transparentes para o consumidor. “É uma parceria importante para divulgar o trabalho de quem pesca certo na época certa, o que precisa ser feito para sustentar toda as comunidades que vivem dessa atividade”, diz o pescador Francisco Guimarães Neto, que aprendeu a profissão com o avô, de 101 anos, e com pai. Ele é representante da Confrem (Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas), parceiro do ICMbio (Instituto de Conservação Chico Mendes de Biodiversidade) no projeto. “O consumidor está interessado nessa questão, quer saber como atuar e fazer a diferença”, afirma Guilherme Fraga Dutra, Diretor de Estratégia Marinho Costeiro da CI. Segundo a organização, um em cada cinco rótulos de pescado apresenta informação falsa. Estima-se que 80% das espécies exploradas no Brasil sofram ameaça devido à pesca predatória. “Queremos ajudar a colocar no mercado um produto sustentável ambiental, social e economicamente”, diz Dutra. Três anos de um complexo planejamento antecederam o lançamento. O início foi em 2014, após a proposta vencer o Desafio de Impacto Social Google Brasil. As primeiras experiências aconteceram em reservas extrativistas onde a caça do caranguejo é a principal fonte de renda. Atualmente, cinco reservas fazem parte do Pesca+Sustentável, a meta é chegar a 25, com o envolvimento de 6.000 famílias. As informações sobre o pescado são inseridas no banco de dados pelos próprios pescadores, por meio de celular ou computador. O produto sai das comunidades com a etiqueta de informações, que podem ser consultadas pelo consumidor. “A ideia é fazer que ambientes marinhos que são produtivos sejam ainda mais produtivos a partir de uma boa gestão”, diz Dutra sobre o projeto. “E a falta de gestão leva à insustentabilidade”, complementa o diretor da CI, que estima a existência de 600 mil a 800 mil pescadores de pequena escala no Brasil. O modelo de pesca ideal, porém, pode variar de acordo com a região. Nas reservas extrativistas da Amazônia, a atividade é considerada sustentável se feita para a subsistência das populações tradicionais, o que inclui a comercialização do excedente. “Quando a pesca se torna a principal origem da renda, isso vira um problema, pois ameaça a maior fonte de proteína das famílias tradicionais, o que gera conflitos”, diz Marcelo Salazar, do Instituto Socioambiental, citando exemplos da reservas extrativistas dos rios Xingu e Iriri. Nesses casos, a floresta (e a coleta de recursos como babaçu, castanha, copaíba, borracha) é importante para garantir a boa gestão do peixe.