Diretor de ‘Blade Runner 2049’ discute motivos de retomar história de 1982
Em 1982, “Blade Runner” dividiu a crítica e não fez sucesso nas bilheterias. O filme néo-noir, visualmente eletrizante ainda que distópico, falava de androides (os replicantes) e do “blade runner” que os caçava, um personagem existencialmente perturbado (vivido por Harrison Ford). Dez anos depois, a “versão do diretor” foi lançada sem narração em off e o final feliz acrescidos contra a vontade de Scott. Tornou-se uma influente obra-prima. (A versão definitiva só saiu em 2007.) Nesta quinta (6), a continuação “Blade Runner 2049” estreia com Ryan Gosling no papel de K, que persegue uma nova geração de replicantes. Harrison Ford retorna como Rick Deckard e Ridley Scott volta como produtor-executivo. A direção coube a Denis Villeneuve (“Sicario” e “A Chegada”). Em entrevistas separadas, Ford, Scott, Gosling e Villeneuve discutem o legado de “Blade Runner”, os motivos de retomar a história e a duradoura discussão sobre se o caçador de androides do filme de 1982 é ou não um replicante. * The New York Times – As críticas iniciais não foram ótimas, mas o filme se tornou cultuado. Quando o sr. percebeu que o filme passou a ecoar? Ridley Scott – Assistia muito à MTV e subitamente vi que havia imagens de “Blade Runner” em circulação no canal. Estava influenciando cineastas, roqueiros. Bob Dylan me ligou e conversamos a noite inteira porque ele adorou “Blade Runner”. Percebi que o filme havia deixado sua marca. O que “Blade Runner” significou para vocês, como fãs? Ryan Gosling – Eu o vi aos 14 anos. Foi um dos primeiros filmes em que não ficava claro como eu deveria me sentir no final. Faz você questionar a ideia de heróis e vilões, do que significa ser humano. Denis Villeneuve – O filme está ligado ao nascimento do meu amor pelo cinema. Nunca havíamos visto aquela combinação de filme noir e ficção científica. Foi a primeira vez que alguém tomou cuidado ao criar um futuro. Eles tentaram projetar os anos 1980 e pensar do ponto de vista sociológico, demográfico, tecnológico. Por que uma sequência agora? Scott – Sempre achei que era hora. A base da história é que a inteligência artificial está ganhando emoções. Isso pode se tornar muito perigoso porque um ser com inteligência artificial se rebelará em um instante assim que perceber que é superior ao seu mestre. Essa ideia é ainda mais relevante hoje do que em 1982? Villeneuve – É a história clássica de um ser humano tentando fazer o papel de Deus, como a história de Frankenstein. É imemorial. São as mesmas questões, mas somos cada vez mais híbridos. Nossa relação com a memória, fé e comunicações evoluiu muito. O que diferencia o novo filme? Villeneuve – Tentei manter elementos do original. Ritmo, atmosfera. O novo filme se desloca mais, vai aos subúrbios e ao entorno de Los Angeles. O primeiro se passava em 2019, e todo mundo sabe hoje que não existem carros voadores. Não havia um Steve Jobs, não havia celulares. Tivemos de criar um futuro para o primeiro “Blade Runner”. O sr. estava preocupado em macular o legado do original? Scott – A arte é como um tubarão: você precisa continuar se movendo ou se afoga. Villeneuve – Quando fiz as pazes com a ideia de que aquilo que estava tentando era insanamente difícil e minha chance de sucesso era mínima, me libertei. É o meu melhor filme. Sei que será comparado ao primeiro e me preocupo. Ainda acordo pensando que “meu Deus, fiz uma continuação de ‘Blade Runner’, em que merda eu estava pensando?” Há divergência sobre se Deckard é um replicante. Scott diz que sim, e Ford, o contrário. Villeneuve – Vi uma dessas discussões. Você não ter certeza se ele é real, um verdadeiro ser humano, ou uma criatura projetada, cria uma tensão interessante. Não me importo com a resposta. Gosto de os filmes não tomarem partido. Ford – O tema sempre surge, por volta do segundo drinque. Quando rodávamos o primeiro filme, a conversa envolvia só Ridley e eu. Agora é parte de diálogo mais amplo. Mas creio que as opções da história ficam de alguma maneira preservadas para o público. Scott – Deckard é um replicante, porra! Harrison não pode mais discordar, agora, porque toda a premissa da nova trama é a de que ele é um replicante. Isso mais me diverte que qualquer outra coisa. Tradução de PAULO MIGLIACCI