Diretores europeus traduzem o perfil do eleitor típico do presidente Trump

Chama a atenção que uma parte considerável dos atuais longas que traduzem o espírito do americano interiorano esteja sendo feita por cineastas do Reino Unido. Andrea Arnold, David Mackenzie, Andrew Haigh e Martin McDonagh são alguns dos diretores britânicos que se deixam perder nas paragens rurais dos EUA, entre rodovias empoeiradas e postos de beiras de estrada. Os dois últimos apresentam seus respectivos filmes no Festival de Toronto. Com o violento “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, McDonagh coroa uma leva de produções contemporâneas que botam em evidência personagens com o mesmo perfil do eleitor típico do republicano Donald Trump: branco, empobrecido e portador de um profundo rancor em relação às instituições. Seu filme, grande promessa de figurar no Oscar, é até agora aquele que traduz melhor o ódio difuso na sociedade americana de hoje. No Festival de Veneza, onde estreou no começo do mês, levou o prêmio de melhor roteiro. Frances McDormand, de “Fargo”, interpreta Mildred, mãe de uma adolescente que foi estuprada e morta na cidadezinha de Ebbing, lugar de casebres simples com bandeiras penduradas na porta no Estado do Missouri, quintessência da América agrária. Passados meses sem que a polícia conseguisse pistas do crime, Mildred passa a intimidar o xerife (Woody Harrelson) com mensagens pregadas nos três outdoors de estrada aludidos pelo título do filme. A atitude é o estopim para uma escalada de violência que perpassa questões como o racismo da polícia, a ignorância da população local e a validade de se fazer justiça com as próprias mãos. “Ela é só uma mãe que perdeu a filha. É o tipo de luto que qualquer um pode entender”, disse a atriz em conversa com a imprensa em Toronto. “Three Billboards” poderia ser o filme definitivo do ódio na era Trump não fosse o excesso de piadinhas fora de hora que quebram a atmosfera pesada do longa, mas que fazem jus à trajetória de McDonagh, diretor das comédias “Na Mira do Chefe” e “Sete Psicopatas e um Shih Tzu”. Os campos varridos do interior do país ainda são visitados pelo inglês Andrew Haigh, de “Lean on Pete”, também exibido em Toronto. O tom dos dois filmes, contudo, é drasticamente oposto. Embora ambos ecoem a melancolia da vida às margens do sonho americano, o longa de Haigh envereda pela ternura da relação entre um adolescente enjeitado e um cavalo que já teve dias melhores. Diretor dos intimistas “Weekend” e “45 Anos”, o inglês se rende às mesmas pradarias planas pradarias e estradas desertas que seduziram conterrâneos seus como Andrea Arnold (“American Honey”) e David Mackenzie (“A Qualquer Custo”). Aqui, a ação transcorre nas corridas equinas do Oregon, na costa oeste. Charley (Charlie Plummer) tem 15 anos e é filho de um pai solteiro e semimiserável. Para conseguir alguns trocados, o garoto aceita um trabalho de verão e começa a auxiliar um dono de cavalos de corrida, vivido por Steve Buscemi. Lean on Pete é o nome de um cavalo quarto de milha que está com os seus dias de corrida esgotados e será levado a um matadouro no México. Mas Charley, agora órfão de pai, cria uma afeição pelo bicho e vai tentar mantê-lo.