Em antigo bastião das Farc, papa prega reconciliação e perdão na Colômbia

“Estava manipulando uma bomba e sofri um acidente, perdi a mão esquerda, e nesse dia resolvi começar uma vida nova com minha mulher e meus três filhos. Tinha sido recrutado aos 16 anos.” Com a intervenção do ex-guerrilheiro das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) Juan Carlos Murcia Perdomo, teve início a série de depoimentos de ex-combatentes e familiares de vítimas do conflito armado colombiano que o papa Francisco assistiu ao final de seu segundo dia de visita ao país, nesta sexta-feira (8). O ato ocorreu no fim da tarde em Villavicencio, capital do Departamento de Meta, um dos mais atingidos pelos confrontos entre guerrilhas, paramilitares e Exército. “É preciso pôr um fim a essa cadeia de violência. O ódio estimula mais ódio, não se pode viver de rancor. Só com o perdão e a reconciliação é possível vencer a morte”, disse o pontífice, após ouvir os testemunhos. Mais cedo, Francisco beatificara dois sacerdotes colombianos mortos pela violência das últimas décadas. A cerimônia foi assistida por mais de 400 mil pessoas. Como em Bogotá, o papa fez um sermão enfatizando a necessidade de “abandonar as trevas da vingança”, da qual disse se alimentarem aqueles que são contra aos acordos de paz com as guerrilhas. De cada lado do pontífice, durante o sermão, estavam quadros com as imagens dos sacerdotes. Um dos beatificados foi o bispo Jesús Emilio Jaramillo, assassinado em 1989 por integrantes da guerrilha ELN (Exército de Liberação Nacional), com o qual o Estado colombiano vem negociando um acordo de paz. O outro é o sacerdote Pedro María Ramírez, morto enquanto visitava doentes num hospital quando explodiu o chamado “Bogotazo”, revolta popular por conta do assassinato do líder político Jorge Eliecer Gaitán, em 1948, inaugurando um longo período de enfrentamentos chamado de “La Violencia”. PEREGRINAÇÃO Nos últimos dias, Villavicencio recebeu visitantes que vieram do interior do Departamento e de outras cidades. Várias famílias de pessoas deslocadas pelo conflito que saíram de Meta para Bogotá ou outras capitais, também fizeram o caminho de volta à terra natal para ver o papa. “Estou indo cheio de esperança, com minha mulher e sua irmã. Nossa ideia é voltar a viver em Meta agora que a violência deve melhorar e talvez possamos recuperar nosso rancho. Esta viagem para ver o papa será também para avaliarmos se já dá para nos instalarmos lá de novo”, disse à Folha Willian Otero, 34, que viveu os últimos dois anos em Bogotá. Desde as primeiras horas da manhã, o parque onde ocorreu a missa estava tomado por fiéis. Mais uma vez, houve quebra de protocolo na chegada do papamóvel, quando Francisco ordenou que o veículo parasse enquanto atravessava um corredor formado por indígenas de distintas comunidades, organizados para dar as boas-vindas. O papa desceu e abraçou várias crianças indígenas. Depois seguiu caminhando até o local da missa. Uma variação do canto ouvido em Bogotá (“Francisco, hermano, ya eres colombiano”) se fez ouvir em Villavicencio: “Francisco, amigo, el llano está contigo” (Francisco, amigo, a planície está contigo). Durante o sermão, Francisco colocou o enfoque na reconciliação entre vítimas e ex-guerrilheiros. “São a peça mais importante neste momento de reconciliação. Quando uma vítima ou o familiar de alguém que morreu num dos enfrentamentos vence a tentação da vingança, se transforma no principal personagem da construção da paz”, disse. Durante a tarde, o chefe das negociações com o ELN por parte do governo, Juan Camilo Restrepo, afirmou a jornalistas que a visita do papa deve ajudar a acelerar as conversas com o grupo. Apesar de um cessar-fogo anunciado no começo desta semana, as tratativas com essa guerrilha têm sido lentas devido à recusa a devolver todos os reféns e de abandonar a prática de extorsão. “A mensagem do papa terá impacto na mesa de negociações.” E completou, elogiando a beatificação de Jaramillo: “É uma boa ocasião para que eles (os guerrilheiros) peçam perdão e demonstrem desejar a reconciliação”. No fim da missa, o papa pediu orações dos fieis para as vítimas do terremoto que ocorreu na última madrugada no México, e para as do furacão Irma, que assolou o Caribe e se aproxima dos EUA.