Investir em bitcoin e outras moedas digitais requer cuidado e sangue-frio

Os sucessivos recordes da Bolsa brasileira neste ano têm disputado atenções com outro nome que vive aparecendo no noticiário, seja por sua expressiva valorização, pela forte volatilidade ou por escândalos envolvendo corretoras e outros participantes desse novo nicho: o bitcoin. No Brasil, casas de análise têm enviado a seus clientes relatórios em que destacam o potencial de ganho da mais popular moeda digital já criada. A euforia se baseia na valorização de 276% da divisa no ano. Como comparação, a Bolsa brasileira acumula alta de 25% no mesmo período. A Usiminas, ação com melhor desempenho dentro do Ibovespa —dos papéis mais negociados—, sobe 132%. Os números são de encher os olhos, mas comprar bitcoin e outras criptomoedas não é para qualquer um. Uma das razões é a forte oscilação que a moeda sofre. Quedas e altas diárias na casa dos dois dígitos não são raras. Essa volatilidade —em especial para baixo— pode ser um teste para quem tem aversão a perder dinheiro, mesmo que no curto prazo. “É para quem é ultra-agressivo em seus investimentos. Deve ser encarado como uma estratégia de diversificação extrema”, afirma o planejador financeiro Janser Rojo, da associação Planejar. Antes de comprar bitcoin, diz, o investidor deveria percorrer um caminho de gradação de risco começando pela renda fixa, passando por fundos multimercados (que têm uma parte do dinheiro de aplicações conservadoras) e renda variável (como ações). O bitcoin viria ainda depois de derivativos (contratos que derivam de outro ativo, como ouro e boi) e aplicação em câmbio tradicional (aplicações em fundos que compram dólar ou euro), para Rojo. “Tem que ser uma aposta do investidor em uma tecnologia que ele acredita.” Avaliação parecida tem Fernando Pavani, presidente da empresa de soluções cambiais BeeTech. “Não é recomendado que pessoas físicas apliquem mais de 5% do patrimônio nessas moedas digitais. Elas não são especialistas nisso, podem não ter aproveitado o melhor momento para entrar”, diz. ESTRATÉGIAS Para começar a operar é preciso apresentar documento de identificação com foto, CPF e comprovante de residência para cadastro. Guto Schiavon, diretor de operações da Foxbit, explica que a empresa exige ainda comprovação de renda para transações acima de R$ 25 mil. Essas são algumas das estratégias das corretoras que intermedeiam as transações entre pessoas que querem comprar e vender bitcoins —semelhante às tradicionais— para tentar reduzir o risco de a moeda ser usada em atividades ilícitas, como lavagem de dinheiro ou pagamentos relacionados a tráfico, uma das principais críticas às moedas digitais ao redor do mundo. As medidas replicam normas que o mercado financeiro é obrigado a seguir. Depois de aberta a conta na corretora, o mecanismo de compra e venda de bitcoins é parecido com o das operações no mercado de ações: o usuário define o valor que quer pagar ou receber pela moeda e espera uma contraparte aceitar a oferta. As empresas que fazem a intermediação das transações cobram uma taxa, que varia de 0,3% a 0,7% do valor da operação. O lucro com a venda de bitcoins acima de R$ 35 mil é tributado em 15% pela Receita Federal e precisa ser declarado no Imposto de Renda. DESREGULADO Além da forte oscilação, o bitcoin é considerado arriscado por não ser um ativo concreto e por não ter regulação própria. Nem o Banco Central nem a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) deram passos nessa direção. Na Câmara, um projeto de lei para colocar moedas digitais sob supervisão do Banco Central está sob análise de uma comissão especial desde 2015. A falta de proteção ao pequeno investidor é questionada por especialistas. “Não é regulado e não tem nenhuma instituição financeira grande ou FGC (Fundo Garantidor de Créditos) por trás. É de extremo risco”, afirma João Paulo Oliveira, analista-chefe de moedas criptografadas da XP Investimentos. Maior corretora do país, a XP diz ainda estar começando a olhar para esse mercado. * Saiba o que são e como funcionam as criptomoedas Criptomoedas são moedas digitais inventadas por programadores. A mais famosa é o bitcoin. Depois surgiram altcoins (moedas alternativas). Cada uma é uma sequência única de letras e números que pode ser trocada na internet Ninguém. O controle está em vários servidores ao mesmo tempo. É um sistema descentralizado e público, por isso é extremamente seguro As moedas são emitidas a cada vez que um computador soluciona um problema matemático específico. Qualquer um pode participar e resolver os problemas São os computadores programados para resolver os problemas que geram moedas. “Mina” vem da analogia com o ouro São os donos dos computadores. Eles ganham dinheiro com a venda de moedas e por validar as transações Assim como uma carteira de dinheiro ou o extrato do banco, guardam o registro de quantas moedas a pessoa tem. Entradas e saídas de moedas da carteira são públicas Ocorrem quando alguém compra ou vende moedas. A operação modifica as informações das carteiras. A transação é validada com a tecnologia de “blockchain”, que funciona como um livro-caixa escrito à caneta: não é possível apagar nada Saiba como funciona esse mercado e quais riscos de comprar moedas digitais Pessoas maiores de 18 anos com CPF Existem cerca de dez corretoras especializadas no Brasil. É preciso abrir uma conta com elas e, para isso, apresentar RG, CPF e comprovante de residência Para comprar, o investidor transfere reais para a corretora. Depois, a operação é semelhante à compra e venda de ações. A pessoa diz quantas moedas quer comprar e espera um vendedor Algumas corretoras pedem valor mínimo de R$ 50, o que dá comprar uma fração da moeda As corretoras cobram entre 0,3% e 0,7% sobre o valor da operação, de quem compra e de quem vende. Lucro acima de R$ 35 mil é tributado pela Receita em 15% Sim. O preço das criptomoedas oscila muito. Há ainda risco de a corretora ser invadida por hackers ou quebrar. O surgimento de outras moedas pode derrubar preços Ativos que podem ser usados para transações. São aceitos por um grupo amplo de pessoas e, quando é feita uma troca, estão disponíveis imediatamente (diferentemente do crédito) Tudo que constitui o patrimônio, fixo (imóveis, equipamentos) ou circulante (dinheiro) de uma pessoa ou empresa A variação brusca nos preços inviabiliza, em alguns casos, o uso de criptomoedas como uma moeda de troca. Por isso, existe um debate se as moedas digitais são efetivamente moedas (como dólar e real) ou apenas ativos de investimento arriscado Tecnologia inventada para criar um meio de troca digital confiável para criptomoedas. Garante que seja impossível falsificar ou modificar o registro de transações realizadas Foi criada em 2012. É formada por um conselho de oito diretores. Essas pessoas padronizam a criptografia de bitcoins, protegendo o sistema, mas não tomam decisões Elas são armazenadas em carteiras, que têm senhas gigantes e muito difíceis de memorizar A senha de acesso às criptomoedas fica guardada em um papel Desvantagem: Perder o papel, já que não há backup A senha fica off-line, em um pen drive, por exemplo, ou em dispositivo específico para criptomoedas Desvantagem: no Brasil, o dispositivo específico custa mais de R$ 500 Uma corretora administra as senhas e contas de seus usuários Desvantagem: A corretora pode sofrer um ataque, ou, se não for idônea, pode orquestrar um golpe A senha fica armazenada no smartphone ou no computador Desvantagem: os aparelhos podem ser invadidos, ou o usuário pode esquecer que tem bitcoins e formatar o HD O bitcoin foi criado por um grupo de programadores em 2008. A proposta era uma moeda de troca on-line que não sofresse com o “double spending” (gastar o mesmo dinheiro mais de uma vez) e garantisse anonimato e segurança nas transações. As altcoins, como o ethereum, vieram depois. Hoje, as criptomoedas são usadas como investimento, mas ainda servem para compra e venda no mercado paralelo. Por isso, enfrentam oposição de bancos e autoridades