Lava Jato, atacada no Brasil, é modelo que o México quer copiar

Cruel ironia: no exato momento em que a Procuradoria Geral da República, no Brasil, encontra-se em seu momento mais delicado, o México inspira-se exatamente no Brasil para tentar criar um mecanismo que ponha limites à impunidade que o caracteriza. O que se estuda no México é a criação de uma Procuradoria Geral, independente do governo, ao contrário do modelo atual. Escreve o jornal “El País” da Espanha a propósito da reforma em estudos no México: “Muitos vêem no Brasil, onde a Operação Lava Jato pôs o sistema de cabeça para baixo, o espelho que o México deve seguir”. É compreensível: segundo o relator da ONU para Direitos Humanos, 98% dos crimes ficam impunes no México. No Brasil, a taxa de impunidade para os chamados crimes de colarinho branco era parecida ou até superior, até que a Lava Jato –a principal operação do Ministério Público– levou à cadeia empresários poderosos, numerosos políticos influentes e está denunciando até o presidente da República, pela primeira vez na história. A rigor, o Brasil é que deveria espelhar-se no México, neste momento, para evitar que se jogue fora a criança (a Lava Jato) junto com a água suja do banho (eventuais abusos e irregularidades por ela cometidos). A reforma que o México está estudando nasce de um acordo feito há três anos entre o governo do presidente Enrique Peña Nieto e as principais forças opositoras para acabar com a Procuradoria Geral da República (PGR), como organismo dependente do Executivo e, nessa condição, sob suspeita permanente. “A falta de independência da PGR e das promotorias são o coração da impunidade no México. A capacidade do governo para desenvolver investigações criminais é muito débil”, afirmou a “El País” Juan Pardinas, diretor do Instituto Mexicano para a Competitividade. O que se pretende instituir no México é um procurador geral com mandato de nove anos, três mais do que o do presidente, e independência absoluta do Executivo. No Brasil, a Constituição de 1988 não chegou a ir tão longe, mas, de todo modo, deu ao Ministério Público uma ossatura que permitiu investigações até há pouco impensáveis. É precisamente pelo calibre dos alvos já atingidos que se dá uma contra-ofensiva hoje no seu ponto mais agudo. Agora, cabe à sociedade acompanhar o trabalho da nova procuradora geral, Raquel Dodge, para comprovar se o México terá mesmo motivos para espelhar-se no Brasil ou se a chaga da impunidade voltará a ser predominante.