Maravilhamento com palavras move monólogo inspirado em livro
INSTABILIDADE PERPÉTUA (ótimo) QUANDO sáb. (30), às 19h30, e dom. (1º), às 18h30 (último fim de semana) ONDE Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822, tel. 11 3340-2000) QUANTO R$ 6 a R$ 20 CLASSIFICAÇÃO 14 anos * É arrebatador o maravilhamento de Soraya Ravenle com as palavras que a movem em “Instabilidade Perpétua” e que, no entanto, não são suas. O solo concebido pela atriz parte do livro homônimo do filósofo paulistano Juliano Garcia Pessanha. O texto teatral faz um recorte da obra, guardando seu caráter híbrido, entre a literatura e a filosofia, e elegendo como uma de suas linhas narrativas o embate entre a racionalidade e a linguagem que parte do corpo. “Cada gesto que vou ‘executar’ já está narrado, pensado”, escreve o filósofo, transitando também pela autobiografia. “É o pensamento que legisla o gesto e a ideia que comanda o corpo.” Como um avesso desse eu-lírico, Ravenle recupera a dança a que se dedicou na juventude –ao se profissionalizar, ela se voltou para os musicais, gênero em que é bastante reconhecida– e dá corpo a “gestos inaugurais”, preenchendo a caixa preta do teatro com uma fisicalidade sem forma que vai ao encontro do que o filósofo parece propor como ideal. O grande achado da encenação é justamente fazer tudo passar pelo corpo da atriz, os conceitos e também a linguagem falada. Quando enuncia uma frase mais complexa, volta a ela e se delicia repetindo cada palavra, tornando a reflexão acessível, sem didatismo. No segmento final, a voz constrói uma música a partir de sons gravados na hora, e essa música do corpo enseja novo ritmo e novos gestos. A dramaturgia, que também contempla a infância e a sensação de não pertencimento, é essencial para que o texto não se perca no vazio, fechado em sua própria condensação poética. A enunciação da atriz e a tradução para a cena potencializam a carga lírica de Pessanha, conversando com ela a partir dos recursos do teatro. Pautando-se em cena pela liberdade do “desconhecido de um corpo”, a atriz faz um contraponto ao racionalismo do “estrategista de si mesmo”, aproximando o público de uma escrita densa e defendendo a instabilidade da arte e da vida, ambas resistentes ao controle pela razão.