Mestre nas intrigas da Casa Branca, Ivanka Trump alerta: “Não me deixarei distrair pelo barulho”

Ao raiar do dia em 12 de agosto, cerca de 24 horas depois que neonazistas marcharam pelas ruas de Charlottesville carregando tochas e gritando que “os judeus não tomarão nosso lugar”, Ivanka Trump estava no clube de golfe do presidente Donald Trump em Nova Jersey, com o marido, e o casal estava respeitando o sabá judaico. Ao se reconectarem, depois de manterem seus aparelhos desligados durante o sabá, Ivanka e o marido, Jared Kushner, por fim viram imagens da violência que tomou a cidade e da indignação causada pela condenação morna do presidente aos nacionalistas brancos. À noite, a filha do presidente planejou o que faria. No começo da manhã de domingo, ela falou contra as organizações que pregam o ódio, no Twitter. Em separado, aconselhou o pai a assumir posição mais dura contra os grupos neonazistas – algo que ele fez no dia seguinte. Na segunda-feira, Ivanka e Kushner viajaram a Vermont para um descanso curto nas montanhas. A viagem não correu como planejavam. Em 24 horas, o presidente havia reafirmado, em uma entrevista coletiva, que “os dois lados haviam sido responsáveis pela violência, e acrescentado que “pessoas muito boas haviam marchado ao lado dos neonazistas. Em Vermont, Kushner apanhou o telefone e tentou mitigar a situação. Ivanka, enquanto isso, tentou fazer o que havia planejado para suas férias: se desligar de tudo. Começou a ler um livro. Não assistiu à entrevista coletiva do pai ao vivo. Dias mais tarde, ela viu um documentário curto da Vice News sobre os nacionalistas brancos que organizaram a marcha. Em uma das cenas, um dos organizadores neonazistas fala diretamente de Ivanka e seu marido, e faz um comentário malévolo sobre como era horrível que o presidente “[tivesse dado] sua filha a um judeu”. O documentário sobre Charlottesville atingiu Ivanka de uma maneira que outras controvérsias sobre a Casa Branca não haviam atingido. “Ver aquelas imagens e ver seu nome mencionado, posteriormente, com certeza fez com que a questão se tornasse pessoal para ela”, disse-me uma pessoa bem informada sobre o que a filha do presidente pensa. Mas ainda assim Ivanka Trump não fez novos comentários públicos a respeito do acontecido. Foi uma resposta contida a um incidente difícil, que expôs algumas das percepções incorretas que continuam a circular sobre Ivanka Trump, que está entre os mais poderosos filhos de presidentes na história da Casa Branca. Oito meses depois da posse de seu pai, ela e o marido se viram apanhados em um torvelinho de vazamentos, reformas da equipe presidencial e disputas internas, irrompido assim que Trump chegou à Casa Branca. Mas a suposição que muitas pessoas faziam sobre a capacidade de Ivanka para controlar o pai, ou sobre um ponto de ruptura que a levaria a se distanciar da presidência, não parece ter se confirmado. Em parte por lealdade familiar e em parte por suas ambições futuras, Ivanka Trump está esperando para ver. Ao ocultar os momentos em que discorda das ações do pai, ela conserva o ativo mais importante que detém na Casa Branca: a confiança do presidente. “Expressar discordância pública significaria que não faço parte do time. Quando você é parte do time, é parte do time”, ela diz. “Isso não significa que todo mundo na Casa Branca tenha visões homogêneas – não temos, e acho que isso é bom e saudável -, mas não significa que vamos solapar [uns aos outros], e ao governo, publicamente.” Duas semanas depois de Charlottesville, Ivanka e eu estamos sentadas em seu escritório na Casa Branca, um piso acima do Salão Oval e do escritório de seu marido, que é assessor sênior do presidente. Enquanto o restante da Casa Branca emprega a palheta de dourados, marrons e mogno de um hotel fino da cadeia Marriott, o escritório de Ivanka é pintado de branco reluzente. A assistente do presidente tem bom gosto comparável à sua reputação de autocontrole. Em suas entrevistas na TV e mídia social, a filha do presidente às vezes parece artificial, ligeiramente plástica. Em pessoa, porém, ela é uma versão mais aguçada das mulheres perfeitas de Stepford – afinal, ela dedicou toda a sua vida adulta a administrar bem seu contato com a mídia e a administrar bem sua relação com o pai, com o objetivo de aprimorar sua marca, pessoal e de negócios. Ivanka Trump é conhecida pelo emprego ocasional de termos chulos, e por se irritar quando alguém a define como a “consciência” do presidente. Nos bastidores, a aparentemente imaculada Ivanka tem a reputação de ser uma feroz guerreira nas intrigas da Casa Branca, usando seu relacionamento com o pai a fim de alijar rivais como Steve Bannon, demitido de seu posto como estrategista chefe de Trump, nas amargas disputas facciosas que vêm caracterizando a atual administração; também é conhecida por buscar aproveitar ao máximo sua posição ao lutar por diversos projetos pessoais que ajudarão a definir seu legado. “O que quer que tenhamos pensado meses atrás, quanto a ela ter uma influência moderadora sobre seu pai, não se confirmou”, diz o historiador presidencial Douglas Brinkley. “Se ela está exercendo grande influência sobre as políticas públicas, é algo que está acontecendo de modo subterrâneo, porque não há sinais claros disso.” Os aliados de Ivanka argumentam que é injusto culpá-la, e ao seu marido, por questões controvertidas como a decisão do presidente de abandonar o acordo de Paris sobre o clima, contra a qual ela teria aparentemente apelado. Embora Ivanka cultive a confiança do pai, e ele usualmente a ouça, isso não significa que vá se alinhar com ela, argumenta um bom amigo da filha do presidente. “Ele ouve. A parte difícil é que ela não exerce controle.” O marido de Ivanka encara a situação da mesma maneira. “Ela tenta apoiar o pai, e creio que ela seja capaz tanto de discordar quanto de concordar com ele, em particular, e informá-lo com honestidade e respeito sobre o que pensa”, disse Kushner, que falou ao “Financial Times” em uma entrevista separada no final de agosto. “Ela trabalha para ele há muito tempo – há muito mais tempo do que qualquer outra pessoa na Casa Branca.” Ivanka minimiza muitas das críticas a ela como injustas ou sexistas. Diz que deseja ser julgada apenas pelas áreas especializadas de política pública que adotou como responsabilidade central: a criação de licenças-maternidade e licenças-paternidade pagas compulsórias, a promoção da mulher na ciência e no empreendedorismo, e a criação de programas de aprendizado profissional. “Embora meu coração às vezes deseje que eu me envolva com diversas questões que estão fora de minha responsabilidade e além do meu conhecimento, tento muito ficar na minha pista e executar as iniciativas que vim a Washington para comandar”, ela me diz, em mensagem de e-mail. Mas Ivanka Trump está disposta a ir além dessas áreas específicas quando lhe convém, o que gera especulações de que seu pai talvez a esteja preparando para uma carreira política própria. Ao estabelecer um relacionamento pessoal com [a chanceler alemã] Angela Merkel ou participar de reuniões com [o primeiro-ministro japonês] Shinzo Abe e [o presidente chinês] Xi Jinping, a filha do presidente está aprendendo o jogo. Quanto aos seus críticos progressistas, Ivanka diz que está sendo julgada de forma injusta. “Algumas pessoas criaram expectativas pouco realistas sobre mim”, ela diz em e-mail. “De que minha presença, em si e por si, teria tamanho peso junto ao meu pai que ele abandonaria seus valores centrais e a agenda na qual o povo norte-americano votou ao elegê-lo. Isso não vai acontecer. Para críticos como esses, que eu não transforme meu pai em progressista é prova de meu fracasso.” O coração da agenda de Ivanka é a criação de um sistema federal compulsório de licença-maternidade e licença-paternidade para os trabalhadores – algo que não existe nos Estados Unidos até agora, nem mesmo para os funcionários públicos federais. Se ela tiver sucesso com seus planos para a licença-maternidade, isso representará um marco histórico para o país e para Ivanka Trump, elevando-a de uma posição comparável à de uma primeira dama à condição de força política autônoma, e com uma realização importante em seu currículo. Embora o presidente venha sofrendo críticas pesadas dos legisladores norte-americanos, entre os quais até mesmo alguns de seu partido, a posição do casal Kushner-Ivanka parece cada vez mais estável. Mas a preocupação quanto a como a reputação do casal sobreviverá à sua incursão na política não para de crescer. Kushner continua a ser uma figura central na investigação em curso sobre possíveis elos entre a campanha de Trump e a Rússia, por ter comparecido a uma reunião com uma advogada russa que supostamente detinha informações comprometedoras sobre Hillary Clinton. Presumir que eles estejam se preparando para deixar o governo, no entanto, subestima o cálculo que fizeram ao aceitar posições em Washington, para começar, bem como o elo implícito entre o casal e o presidente. “Não é fácil para ela como mãe. Não é fácil para ela abandonar os negócios que construiu”, mas ela tomou essa decisão “com o coração”, diz Kushner sobre a escolha de Ivanka de acompanhar seu pai ao governo. Se Ivanka Trump e Kushner por fim deixarem Washington, eles abandonarão o confronto político que vem consumindo seus dias desde antes da eleição. Mas levarão com eles um nível de exposição sem precedentes, que provavelmente não teriam obtido de outra forma. “Determinar se minha contribuição estará à altura das expectativas de alguns de seus mais duros críticos? Só o tempo dirá”, afirma Ivanka via e-mail. “Mas não me deixarei distrair pelo ruído.” Tradução de PAULO MIGLIACCI