Nem criou favela segura pra jovem do Leblon comprar cocaína, diz biógrafo
Herói e celebridade, bandido e homem de negócios, Nem foi retratado em suas muitas facetas no livro “O Dono do Morro: Um Homem e a Batalha pelo Rio” (Companhia das Letras), lançado pelo jornalista britânico Misha Glenny, 59, em 2016. Folha – Por que um livro sobre um traficante de uma favela carioca? Misha Glenny – Quando fiz “MacMáfia”, livro em que trato do crime organizado global, descobri que o Brasil, ao contrário do senso comum, é grande no cenário de crimes cibernéticos. Quando fui ao Brasil em 2005 fazer essa investigação, vi muitas boas histórias desconhecidas fora do país e resolvi voltar em 2011. Buscava um tema que me permitisse discutir grandes questões do país, como sua enorme desigualdade econômica, que me convenci ser o motivo pelo qual o Brasil é sempre o país do futuro e nunca do presente. Explorei diversas possibilidades: Amazônia, crescimento das igrejas evangélicas e, claro, tráfico de drogas. Foi quando Nem foi preso de maneira espetacular, o que me impressionou. Como foi sua pesquisa? Acompanhei tudo o que saiu na mídia, fui para a Rocinha e fiquei surpreso em ver como ele era visto como o diabo no asfalto ao mesmo tempo em que era herói na favela. Gravei 28 h de entrevistas com ele no presídio. Como a Rocinha virou o maior varejista de cocaína do Rio? Por vários motivos. A Rocinha é muito isolada de outras favelas e está perto de bairros ricos. Nem percebeu que precisava transformá-la num lugar seguro onde jovens de Copacabana, Ipanema, Leblon pudessem circular livremente para comprar cocaína. Essa relativa segurança favorecia outros negócios? Se você olhar o pé da Rocinha, vê a quantidade de estabelecimentos. Sob o comando de Nem, virou um centro comercial, abriram vários restaurantes, até de sushi, e bancos se estabeleceram ali. Havia um ambiente vibrante de empreendedorismo. E as pessoas que subiam o morro para comprar cocaína achavam que aquilo era uma aventura. Ninguém faria isso no Complexo do Alemão. Há solução para a crise atual? Ela certamente não está no Exército, que funciona apenas como paliativo, além de ser insustentável financeiramente no médio prazo. Seria preciso restabelecer um programa de segurança aliado a programas sociais, o que não foi feito no caso da UPP.