No retorno a Paris, Lacoste celebra a si mesma e revisita clássicos em coleção
Pode parecer contrassenso, mas ser uma grife comprada pelas massas, do rico ao pobre, não era uma característica que a moda visse como objetivo. A diferenciação sempre foi o norte das marcas de luxo, que empinavam o nariz para quem pensasse diferente. A Lacoste, destaque desta quarta (27) na semana de moda de Paris, sentiu na pele os efeitos desse pensamento, agora em desuso, em boa parte dos seus 85 anos de vida. A “grife da camiseta polo”, como a elite da indústria estereotipou a etiqueta do desenho de crocodilo mais pirateado do mundo, passa pelo seu melhor momento ao assumir os códigos criados por René Lacoste (1904-1996). De volta a Paris, após 14 anos desfilando na comercial semana de Nova York, a marca homenageou a si mesma desmembrando a indumentária esportiva e, segundo o estilista português Felipe Oliveira Batista disse nos bastidores, fazendo uma “misturada social”. “Fomos uma das primeiras marcas francesas a serem apropriadas pela cultura. Taxistas, executivos, gente da moda, todos usam a camiseta”, explica o designer. NOBREZA ESPORTIVA Jaquetas de náilon, comuns no guarda-roupa esportivo, contrastavam com agasalhos de cashmere, tecido caro à nobreza francesa. Blusões esportivos, tingidos de azul elétrico, verde-ervilha e amarelo, cores básicas da cartilha da marca, foram combinados a saias de corte minimalista e salto alto, um padrão entre o visual chique e urbano dos anos 1980 e 1990. Além de obras dos artistas franceses Mathias Augustyniak e MichaelAmsalag, Batista pescou a estética de rua filmada em “O Ódio” (1995), de Mathieu Kassovitz, e o padrão “normcore” –apelido da moda para o básico chique– do longa “Conto de Verão” (1996), de Eric Rohmer. O embate da elegância parisiense com o relaxo esportivo é próprio da moda da Lacoste. Como o estilista definiu à Folha, uma fórmula perseguida pelas grifes com algum grau de oportunismo. “Agora a moda está interessada na visibilidade [do estilo urbano] da Gucci, nos bonés Balenciaga. Talvez seja oportunismo das marcas de luxo tentar olhar para a rua, o que não é nosso caso, porque somos uma grife de ‘sportswear’ e não há nada de falso em nosso discurso”, afirma Batista. Nesse contexto, além de comemoração do aniversário, a volta para casa soa como afirmação de autenticidade do estilo Lacoste, uma mordida de crocodilo na casta tradicionalista que revirava os olhos para a etiqueta. “É o regresso de uma marca francesa para casa. Os Estados Unidos sempre foram um mercado importante, e por muito tempo Nova York foi o lugar do ‘sportswear’. Hoje, essas fronteiras de estilo não existem, não vimos motivos para não voltar a Paris”, conclui Batista.