Peça híbrida convida público a experiência com o tempo
TCHÉKHOV É UM COGUMELO (muito bom) QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom. e feriado, às 18h; até 8/10 ONDE Sesc Consolação – Teatro Anchieta, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000 QUANTO R$ 12 a R$ 40 CLASSIFICAÇÃO 14 anos * O hibridismo, termo da moda que descreve a combinação de diferentes linguagens nas artes contemporâneas, chama a atenção logo de saída em “Tchékhov É um Cogumelo”. Performance, instalação sonora, vídeo e encenação teatral são os recursos de que lança mão o espetáculo concebido e dirigido por André Guerreiro Lopes. O arranjo se arrisca a exagerar na excentricidade e ambição quando se somam a ele referências à meditação e à neurociência. Tal estranhamento, no entanto, aos poucos se dissipa, à medida que os vários elementos se acomodam em torno da figura do diretor e da experiência com o tempo. Ele está em cena, meditando na lateral do palco. Suas ondas cerebrais, captadas por um capacete, disparam uma instalação sonora que pretende interferir em duas narrativas intercaladas. Na primeira, um vídeo de 1995, o encenador José Celso Martinez Corrêa rememora a montagem de “As Três Irmãs”, de Tchékhov, pelo Teatro Oficina nos anos 1970 –quando os ensaios transcorreram ao sabor de substâncias alucinógenas. A segunda narrativa é a encenação do texto do dramaturgo russo, que acontece atrás da tela sobre a qual o vídeo é projetado. A mente e a memória de Guerreiro Lopes envolvem ambas. No início da peça, um texto explica a proximidade entre alucinógenos e meditação quanto aos efeitos na “consciência de si”. A encenação então conjuga a meditação que o diretor pratica com a entrevista com Zé Celso no passado e ainda com suas experiências –por exemplo, como assistente do diretor americano Bob Wilson. A encenação do clássico russo é o segmento mais bem-sucedido do espetáculo, sem que se desprezem as inspiradas reflexões de Zé Celso. Elegeram-se algumas cenas do texto de Tchékhov, apresentadas como quadros quase estáticos, de grande beleza plástica. Em outros momentos, a voz é o foco, a partir de jogos com ritmo e repetição. A gestualidade marcada das ótimas atrizes (Helena Ignez, Djin Sganzerla e Michele Matalon), a iluminação que recorta espaços no palco e a descontinuidade das cenas são alguns traços do chamado teatro pós-dramático, em voga desde os anos 1970. Aplicados a esse texto de Tchékhov –que, como já se disse, apresenta a crise do diálogo e da ação que corroeu o drama como gênero teatral–, tais recursos dão materialidade ao presente arrastado das três irmãs, que sonham com a vida em Moscou. A semelhança na caracterização das atrizes, de longos cabelos e vestidos, por vezes funde as irmãs em uma mulher só, sem idade. O isolamento das personagens, encerradas em seus monólogos, atinge sua expressão mais pungente na distribuição esparsa dos atores pelo palco em uma das cenas finais. O espectador passa a integrar, então, a experiência do tempo dilatado, desde que também consiga fugir da “consciência do eu”, mergulhando nas camadas da peça com sua percepção.