Plebiscito sobre independência da Catalunha lança Espanha em incerteza

Programado para este domingo (1º), o plebiscito sobre a independência da Catalunha em relação à Espanha é de tal modo peculiar que não pode ser apresentado com a clássica fórmula “milhares vão às urnas”. Isso porque é possível que os eleitores simplesmente não consigam votar. O governo central em Madri já avisou que a consulta é ilegal e não tem valor algum. Ou seja, ainda que o Parlamento catalão cumpra a ameaça de declarar a independência em até 48 horas depois do voto (caso vença o “sim”), não haverá nenhum efeito na prática. Mesmo essa declaração não está garantida. Madri confiscou milhões de cédulas e centenas de urnas, além de ter ameaçado multar mesários e deter políticos. No sábado (30), 1.300 postos de votação foram interditados pela polícia, que também ocupou o centro de telecomunicações e tecnologia da informação do governo catalão, impedindo o sufrágio a distância e a contagem dos votos do plebiscito. “O que sabemos com toda a segurança hoje é que é bastante difícil que o plebiscito aconteça normalmente”, afirma à Folha o analista político Pablo Simón, do “think tank” espanhol Politikon. “Haverá intervenção do Estado e protestos, em um plebiscito quase festivo”, diz ele. O governo catalão é mais esperançoso. A Folha conversou com o vice-presidente da Catalunha, Oriol Junqueras, uma das principais forças motrizes do ímpeto separatista da região. Ele insistiu: “Os catalães vão sair e votar. Haverá alta participação.” A reportagem o questionou sobre as apreensões de cédulas e de urnas e sobre as ordens dadas à polícia nacional para impedir que o plebiscito aconteça. “Nós superamos as inúmeras dificuldades impostas pelo governo espanhol, e a democracia vai vencer. Temos mais cédulas”, disse Junqueras. O governo catalão informou à agência de notícias Reuters que haverá ao menos 2.000 urnas espalhadas por toda a Catalunha. Além disso, moradores se organizaram para desde sexta-feira (29) dormir em locais de votação como forma de garantir o pleito. Segundo os organizadores, 60 mil pessoas sinalizaram interesse em participar da iniciativa. O otimismo de Junqueras também parece ter se refletido nas ruas de Barcelona na sexta, quando fazendeiros cruzaram a cidade em seus tratores em demonstração de apoio à consulta popular. As janelas de alguns prédios no centro da capital da região estavam enfeitadas com a “senyera”, a bandeira de fundo amarelo com cinco faixas vermelhas que é símbolo da Catalunha. Já em Madri, acontecia o inverso, com flâmulas espanholas por todo lado. O porta-voz do governo espanhol, Medez de Vigo, chegou a garantir na sexta que a votação não iria ocorrer. “Eu insisto que não haverá referendo no dia 1º”, afirmou. BOLA DE CRISTAL Analistas evitam prever o que vai acontecer depois de domingo. Segunda e terça-feira podem ser dias vitais para as relações futuras entre Madri e Barcelona. “A situação pode descarrilhar, levando a um cenário que sou incapaz de prever”, afirma o cientista político Oriol Bartomeus, ligado à Universidade Autônoma de Barcelona. Se o Parlamento catalão de fato declarar a independência da região (em caso de vitória do “sim”), está previsto que comece a rascunhar imediatamente uma Constituição para o que entende como um novo país. Em paralelo, a administração central pode declarar que o resultado e a separação são ilegais e determinar a detenção do presidente catalão, Carles Puigdemont. O caos subsequente corre o risco de debilitar tanto o governo espanhol quanto o catalão. A Espanha é governada por Mariano Rajoy, do conservador PP (Partido Popular). No poder desde 2011, a sigla comanda o país de maneira frágil, com uma coalizão minoritária na Câmara, já que nenhum grupo conseguiu formar maioria no Parlamento após as últimas eleições, em 2016. A instabilidade atual na Catalunha serve de munição para que a oposição peça a formação de um novo governo, por meio de uma moção de repúdio, no Parlamento, à atual liderança. Os catalães têm vantagem estratégica, de certa maneira, porque se beneficiariam tanto da ação espanhola quanto de sua inação. “Se conseguirem votar, vão mostrar que o Estado espanhol não é tão forte”, diz Simón, do Politikon. “Se não puderem votar, vão dizer ao mundo ter sido reprimidos.” Já o governo central vive uma situação oposta. “Madri está de mãos atadas desde que o o plebiscito foi convocado”, afirma Simón. “É impossível manter a lei, enviando a polícia, e satisfazer a população catalã.”