Política britânica se polariza após dúvidas sobre ‘brexit’

A primeira-ministra britânica, Theresa May, discursava na conferência anual do seu Partido Conservador quando foi interrompida por um humorista, que entregou a ela uma carta de demissão. “Eu ia falar sobre alguém para quem eu gostaria de entregar uma carta de demissão, que é Jeremy Corbyn”, reagiu May, se referindo ao líder do Partido Trabalhista. O ataque era uma resposta ao tom adotado por Corbyn uma semana antes, na conferência dos trabalhistas. Enfático, o opositor chamou o governo de “coalizão do caos” e criticou a falta de liderança na negociação para o “brexit”, a saída britânica da União Europeia. “Se organize ou saia do caminho”, disse. O tom dos encontros anuais dos dois grandes partidos britânicos foi de confronto. Quatro meses após uma eleição surpreendente, em que os conservadores perderam a maioria absoluta no Parlamento, o Reino Unido vive um novo momento de incerteza política e polarização. “A política britânica está mais dividida agora do que em qualquer momento desde o início dos anos 1980”, disse Simon Griffiths, professor de política da Universidade Goldsmiths, em Londres. Aquela década foi marcada pelo governo controverso de Margareth Thatcher e políticas de austeridade. Segundo ele, a divisão começou a se desenhar por conta da crise financeira global, a partir de 2008. Os problemas econômicos mostraram aos eleitores que o modelo de política existente “estava falido”, e os políticos reagiram com mais radicalização. “Depois de um longo período em que os principais partidos competiam para ganhar eleitores centristas, a política mudou. O Partido Trabalhista desviou sua proposta para a esquerda, e os conservadores mudaram para a direita”, explicou. Este desvio ficou evidente nas conferências trabalhista e conservadora. Enquanto Corbyn discursou a favor de políticas mais “socialistas”, incluindo proposta de estatização de empresas de serviços públicos, May fez uma forte defesa do livre mercado. Para o cientista político Simon Usherwood, da Universidade de Surrey, isso ficou mais evidente ainda após o “brexit”. A decisão de sair da UE “demarcou as linhas dos partidos e não há ninguém com uma visão clara e um plano em que as pessoas se unam”, disse à Folha. Essa divisão, segundo ele, cria uma situação que beira o caos político. “Se há alguma coisa, não é polarização, mas confusão.” Após um ano de debate, Londres não conseguiu avançar em relação à forma como se dará o seu divórcio do bloco europeu. Isso amplia a polarização entre os partidos e cria incerteza no país. Dois dias após um discurso em que interrupções e falhas da voz chamaram mais a atenção do que o conteúdo, May já via parlamentares “rebeldes” entre os conservadores querendo tirá-la do cargo. Apesar do enfraquecimento evidente da premiê, os pesquisadores acham pouco provável que ela seja retirada do governo no curto prazo. O principal ponto que a ajuda a ficar no poder, dizem, é a falta de alternativas claras. “Ela pode continuar no poder, pois não há um candidato óbvio para substituí-la”, afirmou Griffiths. “A confiança pública e a confiança do partido em May estão baixas, mas sem que ninguém faça um desafio claro a ela”, disse Usherwood. CORBYNMANIA Enquanto May tenta se organizar, o seu principal opositor, Corbyn, surfa tranquilo uma onda de alta popularidade. Segundo recente pesquisa de opinião pública, se o Reino Unido tivesse novas eleições agora, o Partido Trabalhista venceria as eleições com 43% dos votos. Mas analistas indicam que a probabilidade de novas eleições ainda neste ano é baixa. Enquanto os conservadores tiverem maioria no Parlamento, ainda que não possam governar sozinhos, “não há necessidade de outra eleição geral”, disse Griffiths. “O novo premiê enfrentará muita pressão para realizar eleições, mas se preocupará, com razão, por medo de perder para os trabalhistas. Os ‘tories’ vão lutar para evitar ir às urnas rapidamente”, indicou Usherwood.