Promotor diz ver ataque do regime de Maduro à população na Venezuela

Responsável por preparar o relatório sobre a Venezuela que a Organização de Estados Americanos apresentará ao Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo contou à Folha que as audiências em Washington com ex-militares, ex-integrantes do Judiciário e vítimas devem demonstrar que “há um plano sistemático do Estado de ataque à parte da população”. A ideia é que esse relatório seja apresentado pela OEA por meio de um ou mais Estados-membros em outubro. “Não estamos julgando, apenas preparando o informe para entregá-lo. A partir daí qualquer país que integra o tribunal pode fazer uma denúncia e abrir uma investigação. Significa que os Estados vão ter de tomar a iniciativa, mas basta que apenas um Estado o faça”, explica o promotor argentino. E acrescenta: “O ideal seria que a própria Venezuela, que também integra o órgão, reconhecesse os crimes, julgasse-os e que não houvesse mais violência.” Convencido de que “só com adolescentes na rua não vai ser possível parar [Nicolás] Maduro”, Moreno Ocampo diz que a comissão busca entender a dinâmica da repressão de modo a enquadrar o que está ocorrendo no país como um crime de lesa-humanidade, ou seja, cometido pelas forças do Estado contra uma parte da população, de acordo com a definição do Estatuto de Roma. Para isso, diz que é preciso buscar dois elementos: “primeiro, demonstrar que há um plano, que a repressão não é aleatória; segundo, averiguar se a Justiça está dando respostas aos delitos cometidos contra os cidadãos”. DEPOIMENTOS Os depoimentos de três militares venezuelanos dissidentes, o general García Plaza, o coronel José Arocha e o capitão Igor Buitrago, na sexta (15), contribuíram nesse sentido. “Quando o general nos diz que na Venezuela está se usando o conceito de que os dissidentes são inimigos, isso ajuda a classificar o uso da violência contra eles como uma ação sistemática.” Segundo Moreno Ocampo, os militares estão contribuindo também ao relatar como ocorrem as prisões, como são os interrogatórios e as condições de encarceramento. “Nós ouvimos, por exemplo, que os prefeitos que não impedem manifestações em seus territórios são considerados ‘em desacato’. Trata-se também de uma forma de rotular alguém como inimigo”, diz o promotor. O termo é o mesmo usado para invalidar as decisões da Assembleia Nacional. O depoimento dos militares revelou também que está em prática desde o começo do ano o chamado Plano Zamora, que permite que o uso da força contra manifestantes seja mais violento. Também que existe uma estrutura paralela à militar, chamada de Comando Anti-golpe, que, embora encabeçada pelo vice de Maduro, responde ao ditador. Moreno Ocampo, que trabalhou como promotor no julgamento da junta militar argentina nos anos 80 e foi promotor-chefe do TPI entre 2003 e 2012, diz que, se o relatório da OEA de fato estimular o início de uma investigação pelo tribunal de Haia, isso será algo “histórico”. “Isso cria precedente que depois pode ser usado para delitos do Estado em outros países, como a Coreia do Norte”, afirmou. “Eu sou argentino, no meu país a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA ajudou a parar um massacre durante a ditadura militar (1976-1983). Se isso puder ajudar a Venezuela a encontrar seu caminho e que os crimes e a violência contra os cidadãos acabe, será uma vitória.”