Retrato do pântano

Entre sorrisos, ao longo de um minuto e meio, procedeu-se ao acondicionamento e transferência do dinheiro entre Silvio Araújo, então chefe de gabinete do governador Silval Barbosa (PMDB), de Mato Grosso, e o deputado federal Ezequiel Fonseca (PP-MT). O vídeo da transação está disponível na internet, graças a acordo de delação premiada firmado entre Silval Barbosa, preso preventivamente de setembro de 2015 a julho deste ano, e o Ministério Público. Apontam-se evidências contundentes de um “mensalinho” —para a compra de apoio ao Executivo—, do qual políticos dos mais variados partidos surgem como beneficiários do esquema. Nas gravações, recebem seu quinhão parlamentares do PSB, do PP, do PMDB e do PT. Como em certas lojas de varejo, num vídeo o negociador se oferece para acompanhar a freguesa até a saída do estabelecimento. Agradecendo a gentileza, a prefeita de Juara, Luciane Bezerra, na época deputada estadual, olha rapidamente para o teto enquanto forra a sua bolsa; temia, quem sabe, alguma vigilância eletrônica. O escrúpulo dura pouco, naturalmente. O clima é de total confiança entre as partes. O estado de espírito dos envolvidos mudou, entretanto, depois da exibição pública de suas atividades. O deputado Ezequiel Fonseca diz não ter recebido vantagens e nega-se a comentar “poucos minutos de vídeo veiculados, editados, com imagens deturpadas”. Conforme a delação, os pagamentos tiveram início em 2003, no governo de Blairo Maggi (PP), hoje ministro da Agricultura —este, que não foi gravado, repudia as afirmações. Por decisão do Supremo Tribunal Federal, autorizou-se a abertura de inquérito para esclarecer sua eventual participação. Responsável pela medida, o ministro Luiz Fux classificou de “monstruosa” a delação. Seria o maior esquema descoberto desde a Operação Lava Jato. Eis uma convicção que, infelizmente, pode ser a qualquer hora abalada por novos escândalos. Outra certeza é que haverá longo percurso até a punição dos eventuais culpados. Da divulgação do caso ao julgamento de acusados, o caminho não é tão instantâneo quanto a indignação que tão fortes imagens são capazes de produzir. Anos de aparente propina se concentram em poucos minutos. A delação aponta para incontáveis culpados, com graus diferentes de envolvimento e domínio sobre os fatos. Trata-se de subir, mais uma vez, a escarpada ladeira de um processo jurídico, a partir do pântano cujo retrato agora se tirou. [email protected]