Sem patrocínio, programa sobre o pensamento tira São Paulo da agenda
A ideia de progresso se sustenta como uma crença: para existir, precisa de seus fiéis. Por trás deste diagnóstico está o tema da edição atual do ciclo Mutações, série de conferências teóricas realizada pelo jornalista Adauto Novaes, que acontece até o dia 25/10 em três cidades, Rio, Brasília e Belo Horizonte, em torno do tema “Dissonâncias do Progresso” (veja programação em mutacoes.com.br). Repete-se no título a palavra que, conjugada com outro conceito, o da ordem, forma o lema da bandeira nacional, retomado como slogan do governo Michel Temer. O tema do ciclo, porém, não tem como princípio um olhar específico sobre o governo, diz Adauto. O progresso a que se refere é mais amplo, abarca conquistas da ciência, da medicina, mas também perdas subsequentes, o “desaparecimento do vago e do lento”. A própria edição 2017 sofreu desaparição semelhante. Pela primeira vez desde 2000, o Mutações deixa de vir a São Paulo, porque não conseguiu apoio na capital paulista. Quem bancava parte do projeto na cidade era o Sesc. A instituição diz que decidiu pelo corte pois não conseguiria realizar o projeto sem ajuda de outros financiadores, como em anos anteriores. PROJETO ARQUIVADO A ausência de patrocínio decorreu de dificuldade para inscrever o programa na Lei Rouanet -de nove projetos referentes ao ciclo Mutações no sistema de transparência do Ministério da Cultura, apenas o deste ano aparece como arquivado. Carta aberta, assinada por pensadores como Jorge Coli, Olgária Matos e os colunistas da Folha Vladimir Safatle e Marcelo Coelho, aponta diretamente o dedo para a pasta. Segundo o texto, “a recusa revela características da conduta de um governo que, ao pretender afirmar-se perante o país como espécie de redentor da pátria, não consegue ocultar problemas éticos em sua origem”. O MinC responde que não houve recusa, mas, sim, um pedido de ajuste ao modelo de inscrição. Na primeira etapa do processo, Adauto recebeu um documento que dizia: “Não poderemos dar continuidade à análise, tendo em vista que os objetivos propostos não se enquadram nas finalidades descritas nos artigos 1º e 3º da Lei 8.313/91”. Os artigos citados especificam que, na Rouanet, podem inscrever-se projetos culturais acessíveis à população. Adauto recorreu, e o MinC diz que a recusa inicial “foi superada”. Mas, diz o organizador, “levaram muito tempo para responder, não daria mais para captar”. “A gente fez o ciclo graças à generosidade dos conferencistas, que não estão recebendo, e ao apoio do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais”. Segundo Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo, o projeto foi recusado também porque ganhou concorrência interna. “Desenvolvemos o Centro de Pesquisa de Formação, ciclo semelhante ao dele”, diz. Miranda também diz que o ciclo estava perdendo plateia nas últimas edições. Segundo o MinC, desde 2013 “o proponente” não conseguiu captar recursos pela Rouanet. Lançamento em SP “Entre Dois Mundos” (Edições Sesc, R$ 76, 504 págs.), que reúne as falas do Mutações 2016, será lançado em 5/10, às 19h, na livraria Martins Fontes (av. Paulista, 509). Haverá mesa com Adauto Novaes, Marcelo Coelho e Luiz Alberto Oliveira.