Trump muda vida dos americanos também com medidas menores

Mesmo sem ter concretizado suas maiores promessas de campanha, o presidente Donald Trump já começou a reformular a vida americana de maneiras muito visíveis e outras nem tanto. Nos nove meses em que está no poder, Trump agressivamente revogou regulamentos, emitiu ordens executivas e mudou diretrizes de implementação de medidas, reescrevendo as normas que regem indústrias que vão da energética à da aviação civil e que abrangem desde agressões sexuais em universidades até proteção antidiscriminação para estudantes transgêneros. Sua administração vem sendo caótica, e seu processo de tomada de decisões, impulsivo e às vezes inconstante. Mas Trump já efetuou mudanças que podem ter consequências amplas e duradouras para a sociedade e a economia. Algumas delas fizeram manchetes, mas muitas outras, embora suas consequências não sejam menores, passaram em grande medida despercebidas em meio às controvérsias diárias e aos insultos no Twitter que marcaram os primeiros meses de Trump na Presidência. Sob Trump, o petróleo está fluindo pelo oleoduto Dakota Access. As detenções de imigrantes vivendo ilegalmente nos Estados Unidos aumentaram muito. Mais terras federais foram abertas à extração de carvão. A administração Trump vem fazendo seu efeito sentir de maneiras menores, também. Trump revogou ou protelou normas e regulamentos da era de Obama que protegiam as economias de aposentados contra assessores financeiros inescrupulosos, fez com que as empresas que infringem leis trabalhistas tenham mais dificuldade em conseguir contratos federais e limitou o que os provedores de internet podem fazer com os dados pessoais de seus clientes. Esse tipo de iniciativa de baixo perfil pode estar longe das mudanças dramáticas prometidas por Trump, que adora fazer manchetes e chegou à Casa Branca com a promessa de mudar a cara de Washington de maneira fundamental. Mas os efeitos podem ser igualmente reais. “Trump vem fazendo muita coisa para moldar a política pública e para detonar políticas públicas”, disse Norm Ormstein, analista político do conservador American Enterprise Institute. Frustrado com o fato de não ter conquistado a aprovação do Congresso para suas promessas maiores de campanha, como a revogação da lei de reforma de saúde promulgada por Barack Obama, conhecida como Obamacare, e a construção de um muro na fronteira com o México, Trump tem se voltado à ação administrativa. Ele já revogou centenas de normas e regulamentos, assinou 47 ordens executivas e lançou mão de uma ferramenta legislativa antes pouco conhecida, a Lei de Revisão Congressional, 14 vezes para revogar regulamentos aprovados nos meses finais da Presidência de Obama. A lei só havia sido usada uma vez antes dele, 16 anos atrás. REVOGAÇÃO Em seus seis primeiros meses, a administração Trump anulou ou protelou mais de 800 ações regulatórias da era Obama. Segundo o think tank libertário Competitive Enterprise Institute, as propostas para a adoção de novas regras, incluindo as para adiar ou rescindir normas já existentes, diminuíram 32% em relação ao mesmo período em 2016 sob Obama e diminuíram também em relação a períodos semelhantes de seis meses sob os presidentes George W. Bush, republicano, e Bill Clinton, democrata. Ao mesmo tempo, Trump vem limitando a emissão de novos regulamentos federais, exigindo que as agências governamentais eliminem duas regras para cada regra nova que criem. Ele pediu que cada agência nomeie um responsável pela reforma regulamentar, para combater as regras desnecessárias. “Trata-se do maior esforço de desregulamentação desde Ronald Reagan”, disse Wayne Crews, vice-presidente de políticas públicas do Competitive Enterprise Institute. “O modus operandi de Trump, até agora, vem sendo regulamentar burocratas, e não o público.” Muitos empresários aplaudem as iniciativas, que visam cumprir a promessa de campanha feita por Trump de acabar com políticas públicas que, segundo ele, estão estrangulando a economia. Mas críticos dizem que a diminuição das proteções ambientais e de trabalhadores priorizam os lucros corporativos, em detrimento da saúde e segurança públicas, numa contradição direta com o discurso de campanha populista que ajudou Trump a conquistar o voto do eleitorado menos qualificado. “Onde Trump vem conseguindo mudar as regras do caminho, isso vem sendo usado contra as próprias pessoas que ajudaram a elegê-lo”, comentou Ben Olinsky, vice-presidente de estratégia e políticas públicas do think tank liberal Center for American Progress. Neomi Rao, que, como administradora do Escritório de Informação e Assuntos Regulatórios da Casa Branca, está ajudando a comandar a campanha de desregulamentação de Trump, disse que as reformas vão promover o crescimento econômico e a geração de empregos. “A reforma regulatória beneficia todos os americanos”, ela disse em comunicado, acrescentando que ela pode “beneficiar particularmente os trabalhadores de baixa e média renda”. O chamado “efeito Trump” transcende de longe as políticas públicas. Após uma campanha que derrubou precedentes, Trump vem redefinindo o comportamento presidencial, com seu uso nada convencional e às vezes agressivo do Twitter, sua recusa em afastar-se de seus negócios pessoais e o fato de ter membros de sua família entre seus principais assessores. Trump perturbou países aliados de longa data com suas declarações às vezes belicosas e vem alimentando divisões sociais e políticas dentro dos EUA, mais recentemente com seus ataques a jogadores profissionais de futebol americano, em sua maioria negros, que se ajoelham enquanto é tocado o hino nacional, como forma de protesto contra a injustiça racial. Muitas de suas maiores propostas de política pública, incluindo ter proibido que transgêneros sirvam nas Forças Armadas, a retirada dos EUA do acordo de Paris contra as mudanças climáticas e o cancelamento de um programa da era Obama que protegia de deportação adultos jovens levados aos EUA ilegalmente quando crianças, continuam em um limbo ou sob revisão por uma administração em que o traçado das políticas públicas muitas vezes é confuso. Mas Trump vem encontrando maneiras de avançar em algumas outras iniciativas paralisadas. Embora a revogação da Obamacare não tenha avançado no Congresso, suas ameaças de cortar os subsídios que ajudam a cobrir as despesas com saúde de consumidores de baixa renda geraram tanta incerteza que os grandes convênios médicos se retiraram de alguns mercados estaduais ou pediram mensalidades muito mais altas para 2018. IMPACTO A administração vem cortando a publicidade e as verbas de grupos comunitários que ajudam pessoas a assinar planos médicos, gerando o receio de que muitas pessoas deixem de pagar planos de saúde ou de renovar seus planos no próximo ano. Embora os planos de construção de um muro na fronteira mexicana estejam parados no Congresso, o discurso intransigente de Trump parece estar exercendo efeito sobre as travessias ilegais da fronteira; o número de apreensões de pessoas que atravessam a fronteira sudoeste ilegalmente diminuiu 63%, de 42 mil em janeiro para quase 16 mil em abril. Desde abril, o número começou a subir um pouco outra vez, mas ainda está abaixo dos níveis verificados no ano passado. A repressão aos imigrantes que vivem ilegalmente no país também levou a um aumento acentuado das detenções dentro dos EUA. Nos cem primeiros dias de Trump no poder, o número de prisões feitas por agentes da imigração subiu quase 40% em relação ao mesmo período do ano passado. O número de imigrantes sem antecedentes criminais detidos por agentes de imigração subiu mais de 200% entre janeiro e julho deste ano, segundo dados aos quais a Reuters teve acesso. Uma enxurrada de ações judiciais foi aberta contra a nova administração republicana, com representantes estaduais democratas liderando a investida. Os tribunais federais de instância inferior, repletos de juízes nomeados por Obama, bloquearam várias iniciativas de Trump, pelo menos temporariamente. Trump foi obrigado a reescrever um decreto anti-imigração que a administração diz que visa proteger as fronteiras federais, depois de as duas primeiras versões terem sido contestadas por críticos para os quais a medida discriminava contra muçulmanos. A versão mais recente restringe a entrada de pessoas vindas de oito países. É provável que uma das realizações mais duradouras de Trump seja a confirmação do juiz da Suprema Corte Neil Gorsuch, que restaurou a maioria conservadora da corte e que, com 50 anos de idade, provavelmente exercerá seu cargo por décadas. “Acho que Trump na realidade já realizou muita coisa”, disse Tommy Binion, diretor de relações congressionais e executivas do think tank conservador Heritage Foundation. “Há muito com que os conservadores podem se alegrar. E sou otimista: acredito que haverá muito mais.” Tradução de CLARA ALLAIN