Um hino contra a intolerância na Catalunha, mas que vale para o Brasil
A cineasta espanhola (e catalã) Isabel Coixet, de excepcional filmografia, escreveu para “El País” desta quarta-feira (4) um verdadeiro hino de repúdio à intolerância, de que compartilho letra por letra. Isabel foi motivada por ter sido chamada de fascista pelos fanáticos da independência catalã, pelo simples motivo de ter se manifestado contra o plebiscito (de resto ilegal) convocado pelo governo da Catalunha e realizado domingo (1º). Reproduzo parcialmente o texto não apenas pela sua beleza intrínseca, mas porque a rejeição à intolerância serve para inúmeros outros países em que, como ela diz, o “pensamento único” (no caso, pela independência) está levando o ódio “a cotas inusitadas”. Serve para a direita e para a esquerda, quando se deixam atrair para o canto escuro do fanatismo, o que está acontecendo também no Brasil. Trechos principais: “Escrevo isto com o rosto afogueado. Não de vergonha, mas de raiva. Dois indivíduos com bandeiras ‘estreladas’ [da Catalunha] atadas ao pescoço me repreenderam, na porta de minha casa, chamando-me de ‘fascista’. “(…)Pouco a pouco, uma raiva surda, malsã, se apoderou de mim. Há meses, anos talvez, (…) os insultos e as desqualificações aos que, como eu, não seguimos o pensamento único do independentismo e manifestamos nosso desacordo têm sido constantes. E nestes últimos meses o ódio que suscitamos está alcançando cotas inusitadas”. (Você, caro leitor, que não faz parte das falanges fanáticas, passou por isso ou conhece gente que passou?). Segue Isabel Coixet: “Me dou conta com uma claridade espantosa que, aconteça o que acontecer, não há sítio para mim nem para ninguém que se atreva a pensar por sua conta neste lugar que me viu nascer”. (…) Nunca acreditei que o preço a pagar por dizer com respeito e com honestidade o que alguém pensa seria tão alto”. (Já aconteceu com você em algum momento)? Detalhe importante: a cineasta condena a brutalidade policial no dia do plebiscito e pede, faz tempo, a demissão do presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, cuja mediocridade ajudou muito a transformar o caso da Catalunha em crise existencial para a Espanha. Mais adiante, escreve Isabel: “Pensas em todo o medo que se instalou como esporas na pele dos que calam e, em segredo, vêm dizer-te que estão contigo, que agradecem o que fazes, que nem na intimidade do lar podem falar, para que as crianças não os ouçam e, no colégio, não se metam com elas. (…) Esta é a realidade que vivemos os daqui. A fratura espantosa de uma sociedade que convivia em paz e sem temores, com diferenças lógicas de opiniões e valores e critérios, mas com respeito”. Termina: “E, não obstante, não trocaria por nada esta seca e silenciosa terra de ninguém em que me acho, (…) onde o ar só move bandeiras brancas que sussurram ao vento ‘socorro’ com a vã esperança de que alguém, em algum lugar, alguma vez, antes de que seja demasiado tarde, escute-as”. Vale em espanhol, em catalão ou em português.