Voto distrital misto influencia tática de campanha eleitoral na Alemanha
Quando forem às urnas no domingo (24), os alemães receberão uma célula em que votarão separadamente em um candidato distrital e em um partido. Isso porque a Alemanha possui um sistema conhecido como voto distrital representativo personalizado. No primeiro voto, o “Erststimme”, o cidadão escolhe o candidato de sua preferência em seu distrito para representá-lo na câmara baixa do Parlamento (Bundestag). A chanceler Angela Merkel que concorre à reeleição pela quarta vez, aparece apenas na cédula de seu distrito, de Stralsund/Rügen, onde ela concorre diretamente por seu partido, União Cristã Democrata (CDU). Desde a Reunificação, em 1990, ela vence ali. Seu nome não aparece, porém, em uma cédula nacional. Tampouco o de seu principal rival, Martin Schulz, do Partido Social-Democrata (SPD). O primeiro voto elege diretamente 299 cadeiras do Bundestag. Para preencher as demais 299 cadeiras, o eleitor emite seu “Zweitstimme”, ou segundo voto. Este vai para um partido político em vez de para um candidato e determina a proporção que cada legenda terá no Bundestag. Isso estimula o eleitor a pensar estrategicamente e votar de acordo com o tipo de coalizão que ele espera ver formada no novo governo. Se a CDU é o partido mais forte, ele pode, por exemplo, votar no Partido Verde para aumentar as chances de essa legenda estar no governo. Outra peculiaridade é que um partido pode obter mais cadeiras por meio do primeiro voto do que aquelas a que teria direito pelo segundo voto. Como cada candidato que vence em um distrito tem assento garantido, o partido fica com assentos extras. Para compensar, os demais partidos também obtêm vagas a mais. O resultado é que o Bundestag pode extrapolar seu número oficial de 598 assentos. A atual legislatura tem 630 representantes. – Sistema distrital misto poderia ser adotado no Brasil, mas Câmara rejeitou proposta 1) O Parlamento alemão é composto por 598 cadeiras, mas esse número pode variar de acordo com a legislatura —a atual tem 630 2) Metade é preenchida pelos candidatos mais votados em cada um dos 299 distritos em que a Alemanha é dividida 3) A outra metade é eleita pelo voto na legenda, em lista fechada, cuja ordem hierárquica dos deputados é definida pelos partidos 4) Um partido com 40% do voto recebe 240 cadeiras. Se eleger 250 deputados no voto direto, todos assumem, mas os demais partidos ganham vagas extras, para “diluir” o voto direto e evitar que ele pese mais que o na legenda Vigora o chamado sistema proporcional, que leva em conta na divisão das cadeiras toda a votação dada nos candidatos do partido ou da coligação, além do voto na legenda 1) SP elege 70 deputados federais 2) O quociente eleitoral, que definirá a distribuição de cadeiras, é calculado dividindo o total de votos pelo número de vagas 3) Se um partido ou coligação atingiu cinco vezes esse quociente, por exemplo, ele terá cinco cadeiras, que destinará aos cinco mais votados 4) Os partidos ou coligações mais votados também ganham mais cadeiras, na contabilidade das sobras Proposta recusada previa eleição dos candidatos mais votados no Estado 1) SP elege 70 deputados federais 2) São eleitos os 70 candidatos mais votados 3) Os votos em candidatos não eleitos não influenciam na distribuição das cadeiras O distritão amplia consideravelmente o conjunto de votos que não terão nenhum efeito. Esse contingente é formado pelos votos dados aos não eleitos e aqueles votos que excedem o que o candidato precisa para se eleger – EFEITO NA CAMPANHA O sistema afeta a campanha. Temas locais e nacionais se mesclam quando o candidato a chanceler precisa do voto direto em seu distrito. Em visita recente a seu reduto eleitoral, Merkel —chanceler há 12 anos— participou de um projeto de leitura para cerca de mil alunos em um ginásio; depois, passou na feira do bairro, onde comprou tomate, ameixa e pepino, parando para falar com eleitores sobre os preços e incentivos à produção agrícola. A um jornal local, teve de responder por que preferia passar as férias em Bolzano em vez de Rügen. Em discurso à noite, retomou seus temas usuais. “A Alemanha precisa de segurança e estabilidade”, afirmou. “Vivemos tempos difíceis. Não podemos nos permitir experimentos.” Cada partido cria apenas uma peça de propaganda de 90 segundos (e uma versão reduzida) para a eleição inteira, e o número de vezes que essa propaganda vai ao ar é proporcional ao número de votos que o partido obteve nas eleições anteriores. No pleito de 2013, a CDU veiculou sua propaganda em canais de TV privados 140 vezes, contra 176 do SPD. Já o Die Linke teve quatro aparições nos dois principais canais na campanha inteira. “Na Alemanha a grande figura das eleições ainda são os pôsteres. Isso e os encontros políticos. Sobretudo nesta reta final, todos os candidatos estão na rua, falando com as pessoas”, explicou Sudha David-Wilp, especialista do German Marshall Fund. Entre quarta (20) e a sexta (22), Merkel faria comícios em oito cidades diferentes. O corpo-a-corpo é feito de maneira quase espontânea. É comum candidatos se posicionarem numa esquina de um bairro e simplesmente conversarem com quem passa. Não há, na Alemanha, “microtargetting” —a tática de criar peças de propaganda e discursos específicos para cada nicho do eleitorado. Há lugares fixos para pôsteres e é comum os de candidatos a chanceler coabitarem a parede dos de representantes locais de outro partido. O custo das campanhas também é baixo: o governo federal e mensalidades de membros dos partidos pagam a maior parte das despesas, enquanto doações individuais e de empresas compõem um terço dos custos. Não há limite para doação privada, mas contribuições acima de € 10 mil (R$ 37,4 mil) devem ser identificadas. Nas últimas eleições, em 2013, o SPD fez a campanha mais cara, € 23 milhões, seguido pela CDU, com € 20 milhões. Lembrete: esses valores são distribuídos entre todos os candidatos combinados, inclusive os líderes, candidatos a chanceler. No Brasil, em 2014, a campanha do PT consumiu R$ 1,1 bilhão e a do PSDB, R$ 1 bilhão, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (ou R$ 1,3 bilhão e R$ 1,2 bilhão em valores corrigidos —€ 350 milhões e € 320 milhões). Outra regra importante é a cláusula de barreira: partidos que deixem de obter 5% do voto nacional ou consigam menos de três cadeiras no voto direto são excluídos do Parlamento, e a participação dos demais é recalculada. A ideia é que grande fragmentação partidária evita o consenso e provoca instabilidade. Ela acaba por ter um efeito direto na formação das coalizões, quando um dos parceiros tradicionais de coalizão é barrado. Neste ano, a expectativa é que sete partidos, entre eles o FDP e o AfD (direita populista), entrem no Parlamento, número recorde. “Sempre foi para ser um sistema multipartidário, e a tradição pós-Segunda Guerra tem sido governo de coalizão, com o consenso construído por dois partidos, um maior e outro menor. Mas nos últimos tempos o cenário se fragmentou”, diz David-Wilp. “Os maiores partidos, CDU e o SPD, se mesclaram no centro e suas identidades ideológicas também, deixando um vácuo que permitiu que grupos nas margens da direita e da esquerda começassem a ter mais apelo a suas bases.” No máximo um mês após a eleição, coalizões formadas, o Parlamento elege chanceler o líder do principal partido. Não há limite de mandatos. Helmut Kohl (1982-98) é, por ora, o recordista.